Este é um tema que dá uma boa conversa de botequim. Por que os bancos alardeiam seus lucros anuais? Não temem uma reação negativa? Não sabem que a inveja mata?
Na verdade, as instituições financeiras precisam disso. Bancos e outros tipos de empresas do setor financeiro nada mais são do que intermediários. São depositários do dinheiro que circula na economia. Seus lucros provêm do crédito e da prestação de serviços. Em ambos os casos precisam ser eficientes para atrair clientes. Se emprestam mal, perdem dinheiro; se não prestam um bom serviço, há sempre uma opção de se procurar outra agência ao lado, encarar a fila da lotérica ou realizar a mesma operação pelo computador, tablet e/ou smartphone.
Com tamanha lucratividade, a pergunta que se faz é: por que não há um enxame de bancos internacionais no Brasil? Não há cláusulas de barreiras para instituições estrangeiras se instalarem no país. No entanto, as que existiam estão pulando fora do varejo, concentrando-se no atacado ou em operações corporativas. Muitas dessas instituições têm bala na agulha para montar uma grande operação no Brasil. Poderiam até comprar um banco brasileiro. Mas, no varejão, de bancos estrangeiros no Brasil só resta o espanhol Santander, que tem a atual dimensão porque decorre de uma fusão de vários bancos que adquiriu (Real, Banespa, Meridional, Bozano Simonsen). O Citibank passou adiante sua rede; o HSBC no Brasil agora é Bradesco. Além dos grandes bancos privados nacionais, sobrevivem os gigantes estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Mas sobrevivem porque as contas do Tesouro estão lá, assim como dos depósitos do FGTS, do PIS, etc. O BNDES é um caso a parte. Com um mercado de capitais ainda incipiente para as necessidades da economia brasileira, o BNDES é quem ocupa o espaço de financiamento de longo prazo, exceto no crédito imobiliário, para a compra da casa própria. Mesmo assim, o banco que mais repassa recursos do BNDES é o Bradesco, que, aliás, ultrapassou a Caixa Econômica Federal, no ano passado, em empréstimos imobiliários realizados com recursos da caderneta de poupança. Se a inflação continuar se comportando e as taxas básicas de juros, ditas taxas Selic, caírem um pouquinho mais, o mercado de capitais ocupará parte desse espaço do BNDES.
Se nem os poderosos bancos internacionais se aventuram no mercado brasileiro, estaremos então condenados a ficar nas mãos de meia dúzia de bancos? Se depender de agências bancárias de rua possivelmente sim. Os que já estão no mercado ganharam uma escala difícil de ser alcançada por algum concorrente estreante. No entanto, os bancões já não têm velocidade para acompanhar a sofisticação dos mercados financeiros. O Itaú teve de comprar 49% da avassaladora XP Investimentos para chegar a um público que sua corretora não alcançava. Para não perder os clientes de “primeira linha”, os bancões têm sido obrigados a manter em suas carteiras produtos de “assets” (gestores de recursos) ágeis e mais eficazes no ramo. Os “assets” confortavelmente instalados em Ipanema, no Leblon, ou na avenida Faria Lima em São Paulo.
As plataformas digitais estão intermediando operações de crédito. Com estruturas mais leves, aplicativos que funcionam e faro para bons negócios, essas plataformas obrigam os bancões a se levantarem das cadeiras nas quais se refastelaram.
Ah, mas com esses lucros, os bancos drenam a riqueza da economia! Sim e não. Eles carregam um terço dos títulos da dívida pública com o dinheiro que mantêm em tesouraria (não emprestado); mais um terço dos títulos está nas mãos de fundos de investimentos – muitos dos quais administrados também pelos bancos.
Quando esse sistema balança ou alguma instituição fica em perigo, a economia como um todo treme. Essa é a maldição do banqueiro; se ele quebra, carrega junto uma multidão e ainda pode desencadear um efeito dominó.
Indiretamente, o Tesouro é um dos grandes acionistas dos bancos. A maior alíquota de Imposto de Renda das pessoas jurídicas incide sobre o lucro recorrente e extraordinário dos bancos. Pena que o governo gasta mal esse dinheiro. Mas a culpa não é dos bancos.
Um tiro no pé
As instituições financeiras trabalham com recursos de terceiros, mas o total de suas operações está relacionado ao patrimônio líquido (capital e reservas) de cada uma delas. Como o Brasil faz parte do Acordo de Basileia, essa alavancagem anda em torno de dez vezes o patrimônio líquido. Por isso os bancos não podem ter prejuízo. Se têm, o patrimônio líquido se reduz, e o total das operações autorizadas também. Com prejuízo, o banco encolhe, perde fôlego e até fica sem condições de se recuperar. Com lucros polpudos, ocorre o inverso. O banco pode crescer, mais e mais.
As taxas de juros cobradas dos devedores são exorbitantes no Brasil. Os bancos não abocanham tudo. Por isso, até abusam no que cobram pela prestação de serviços. Na administração de cartões de crédito, chegavam às raias do absurdo. Mas vejam o que aconteceu. Concorrentes mais ágeis entraram no mercado com suas maquininhas e as taxas de administração caíram. O comércio passou a aceitar cartões de débito numa boa. Está se reduzindo o número de comerciantes que dão desconto de 3% a 5% para pagamento em dinheiro ou cheque. Aqueles que precisam antecipar receita ainda o fazem quando isso é melhor do que recorrer à antecipação do cartão de crédito.
As taxas de juros são altíssimas, mas os bancos precisam que seus clientes estejam em dia. Se o cliente atrasa o pagamento por mais de 90 dias, o aumento do índice de inadimplência obriga o banco a reforçar sua provisão para devedores duvidosos. É dinheiro que não pode ser emprestado. Se a inadimplência diminui, a provisão reverte para o lucro líquido.
Daí que, a partir de um determinado momento, os próprios bancos partem para acordos com seus devedores. Primeiro os ameaçam, é claro. Em vários casos repassam tais créditos para empresas especializadas em recuperação (abrem mão de grande parte do que teriam a receber, mas se livram da inadimplência; as empresas especializadas, por sua vez, negociam direto com o devedor e até se envolvem diretamente em alguma recuperação, ganhando bom dinheiro com isso).
Quem tem dívida elevada, que foge à capacidade de pagamento, já percebeu que é melhor deixar a bomba estourar. Perde temporariamente o crédito, fica com nome sujo na praça, mas chega uma hora que o próprio banco joga a toalha. É uma queda de braço desigual. No entanto, é o único meio de os próprios bancos percebem que juros extorsivos são um tiro no pé.
Gigolô da dívida pública
Não existem cláusulas oficiais de barreira para a entrada no sistema financeiro brasileiro de novos concorrentes que atendam os requisitos da legislação bancária (probidade, etc). Entretanto, existe uma espécie de reserva de mercado, derivada da elevada dívida pública em títulos. Mais de 20% da dívida em títulos que circulam por aí vencem em menos de um ano. Ou seja, uma rentabilidade atrativa associada à liquidez. Risco baixo. O setor público se aproveita disso para rolar indefinidamente o principal da dívida. E nem só o principal, mas a totalidade dos juros. Desde 2015, não sai um tostão dos cofres públicos para pagamento de juros. É papel em cima de papel. Por isso a dívida vai escalando. Jogando para as costas das futuras gerações o peso da solução.
Para a dívida ficar nominalmente ficasse estável, o setor público teria de acumular anualmente um superávit primário de uns R$ 350 bilhões. Mas, como, se atualmente há um déficit na casa de R$ 100 bilhões? É possível dar uma virada de R$ 450 bilhões, sem paralisar o estado? Impossível. Porém, com déficit primário não dá para conviver. Alguma virada tem de haver, e para tal é preciso a reforma da previdência social.
Enquanto a dívida pública for rolada em sua totalidade, somada aos juros, a poupança privada será absorvida por esse rombo. O que sobra é insuficiente para financiar investimentos que alavancariam a economia. No mínimo, o que se deseja é que a dívida se reduza como proporção do Produto Interno Bruto. Ou seja, que a dívida como um todo cresça abaixo da variação do PIB. Cresça menos que a economia como um todo
Devido a esse círculo vicioso, o sistema financeiro brasileiro é uma espécie de gigolô da dívida pública. O Brasil precisa desatar esse nó. Nesse sentido, o diagnóstico da atual equipe econômica é correto.