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Bixa Travesty, que ganhou o prêmio Teddy em Cannes, encerra competição oficial de Brasília

Divulgação -
Cena de "Bixa Travesty", que retrata a rotina de Linn da Quebrada
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A 51ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro encerrou sua competição oficial na noite de sábado com o longa paulistano “Bixa Travesty”, de Claudia Priscila e Kiko Goifman. O filme, um dos mais aguardados do evento, teve sua estreia no Festival de Berlim deste ano e ganhou o prêmio Teddy, voltado para filmes com temática LGBT. A produção documental retrata a rotina de Linn da Quebrada, cantora e ativista dos direitos LGBTQ+.

“Olha, é interessante quando você trabalha com questões de transexualidade, sempre tem um movimento. Até a nomenclatura, antes a gente chamava transexual masculino, hoje a gente chama de homem trans. Muda completamente e muda também o sentido. Hoje a gente vive um momento muito forte de feminismo e isso repercute nas questões de diversidade. Nas questões LGBT então eu sinto que mudou bastante. Se a gente tem avanços de um lado e políticas melhores, a gente continua tendo uma transfobia gigantesca”, disse o codiretor Kiko Goifman, que trabalhou com a questão trans em “Olhe pra mim de novo (2012)”.

“Bixa Travesty” retrata uma artista segura, que decidiu se apropriar do discurso masculino tão comum ao funk. “Eu me amo, quando fico triste ouço minhas músicas”, revela Linn.

“No início não foi exatamente tranquilo, a Linn é uma pessoa muito preocupada com quem ela trabalha. Então, foi uma relação construída. Hoje em dia é claro que a gente é super amigo, ela frequenta minha casa. Foi uma relação que o afeto mudou quando ela sentiu carinho e respeito. Ela se sentiu em casa e aí foi”, contou o codiretor sobre o fato de Linn trabalhar com um homem branco e cisgênero.

“Ela influenciou muito, ela assina o roteiro com a gente. Tem uma cena do filme, sendo spoiler de mim mesmo, que ela está tomando banho com a mãe dela e eu jamais ia pedir isso para alguém. Foi uma coisa que partiu dela. Isso é só um exemplo concreto de que ela indicou personagem, sugeriu locações, viu pelo menos cinco vezes antes do corte final. A Linn é uma pessoa muito criativa. Então, por que eu iria fazer um filme com alguém criativo e não chamar para o processo? Não faria sentido”, revela Kiko.

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Cena de "Bixa Travesty", que retrata a rotina de Linn da Quebrada (Foto: Divulgação)

“Queria falar que o filme ‘Bixa Travesty’ não é um filme sobre a Linn da Quebrada, é um filme com a Linn. Ela participou de todas as etapas do filme e nesses tempos difíceis, a Linn e a Jup (do Bairro, também rapper) me ensinaram que o nosso poder está no afeto. Afetividade é a nossa potência para existir”, afirmou a codiretora Claudia Priscila. “Eu acho legal as pessoas falarem de afeto e afetividade nesse momento, nesse tempo de crescimento no mundo de moralismo careta assustador, de direita. É muito importante a gente pensar não em armas, mas em carinho, amor, afeto e respeito. Eu acho que aprendi muito nessa imensidão de mulheres e mulheres trans com quem eu pude fazer esse filme”, falou Kiko. O cineasta alerta para a urgência de debater as questões gênero diante de um desejo de retrocessos nas conquistas de direitos, por alguns. “A Linn é um corpo que confronta os padrões da sociedade. Ela e outras ativistas escancaram as fragilidades dos nossos corpos tidos como ‘normais’”.

“Acho que não tinha melhor forma de estrear o filme no Brasil do que num festival tão político, importante e cheio de gente. Sempre que eu comecei o meu trabalho, procurei o diálogo e me comunicar. Busquei construir pontes entre nós, para que eu me sentisse menos sozinha. Vivemos uma disputa de território, disputa por um novo espaço no nosso imaginário social e, principalmente, é disputa pelos nossos corpos. E sabe o que é melhor? Já que eu entrei nessa disputa, eu vou brigar e eu espero que esse filme, esse encontro, seja motor para novas estratégias. Principalmente nesse momento político em que nós estamos vivendo e eu espero que cada vez mais nós sentamos raiva, façamos da nossa raiva: motor. Porque toda criação também envolve destruição e eu tô aqui para matar roubar e destruir o patriarcado”, declarou Linn. “Há dois tipos de pessoas: as que não me conhecem e as que me amam”, filosofa Linn.

* Assistente de direção e jornalista

Tags:

cinema | festival | filme | LGBTQ