Maria Leopolina de Áustria era muita areia para o caminhãozinho do Brasil. A primeira mulher do imperador Pedro I estava anos luz à frente da Corte Portuguesa no campo das ideias. Estudiosa, ex-aluna de música de Schubert, amante de mineralogia e sagaz articuladora política (com participação decisiva na Independência), ela entretanto sempre teve menos destaque nos livros de história que merecia. Uma de suas grandes contribuições foi ao avanço da ciência no país, graças à chamada Missão Austríaca, a reunião de um conjunto de sábios e artistas destacados que enfrentaram o desafio de atravessar o oceano com ela para desbrava o Novo Mundo. Entre eles, havia um jovem cientista que faria do Brasil, dali em diante, o seu principal campo de estudo.
Karl Friedrich Philipp von Martius desembarcou com Leopoldina no Rio de Janeiro em 1817. Durante os três anos em que passou no país (entre 1817 e 1820), Von Martius fez o maior e mais meticuloso levantamento da flora brasileira já realizado. E, a partir deste estudo, dividiu o Brasil em cinco biomas (Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Selva Amazônica e Pampas), estabelecendo uma divisão que é usada até hoje. Sua aventura, que percorreu mais de dez mil quilômetros por um Brasil inóspito, marcaria um dos mais importantes momentos para o conhecimento da flora nacional até então exótica e inatingível no imaginário mundial.
O mais recente livro da Capivara Editora Martius celebra o explorador, cientista e naturalista nascido na Baviera. Seus autores, os professores Pablo Diener e Maria de Fátima Costa, se valeram não apenas do material já conhecido mas trouxeram à luz centenas de ilustrações e documentos inéditos aos quais tiveram acesso principalmente na Academia de Ciências da Baviera e na Biblioteca do Estado da Baviera, em Munique.
Os autores se dedicaram exclusivamente ao livro “Martius” nos últimos dois anos, mas há uma década vêm trabalhando direta ou indiretamente com o tema. É deles o livro, também da Capivara, “Rugendas e o Brasil”, de 2002 (reeditado e ampliado em 2012). Os dois também assinam a organização e grande parte dos artigos de “O Brasil para Martius”, fruto de um edital da Biblioteca Nacional, em 2012.
“Foi durante a preparação de ‘O Brasil para Martius’ que tivemos o primeiro contato direto com a documentação dele na Alemanha”, conta Maria de Fátima. “Nem mesmo lá o material está catalogado, somos pioneiros nessa pesquisa e na divulgação. Estamos trazendo a documentação preparatória da expedição, por exemplo, as instruções de toda ordem, inclusive de caráter humano. Uma riqueza imensa de informações”.
Embora o trabalho de Martius no Brasil seja eminentemente científico, as ilustrações que acompanham o livro têm enorme riqueza de detalhes e se incluem também no registro artístico do ambiente e seus habitantes. Há ainda uma rica série de aquarelas de palmeiras que pertencem ao Instituto Brennand, de Recife, outra instituição parceira na pesquisa. “São registros científicos e também se mostram artisticamente muito sedutores”, afirma Pablo Diener. “Mas são, principalmente, importantes como registros botânico, zoológico, etnográfico”.
Von Martius faleceu na Alemanha seis anos depois de voltar do Brasil, vítima de uma doença tropical que adquiriu durante sua aventura. Entre 1823 e 1831 publicou em três volumes a “Viagem ao Brasil”, composta por desenhos, estampas e mapas de suas viagens. Ele não viveu para ver impressa sua obra-prima a Flora Brasiliensis, um tratado de 40 volumes que pretendia documentar e sistematizar todas as espécies de plantas brasileiras. Um colosso.