ASSINE
search button

Sexta, 2 de maio de 2025

Como só David Lean sabia fazer: confira a crítica de 'Guerra Fria'

Fotos: Divulgação -
Premiado em Cannes, filme fala do romance entre um maestro (Tomasz Kot) e uma cantora (Joanna Kulig)
Compartilhar

É difícil pensar em um diretor que tenha dado ao amor romântico uma dimensão plástica (e ética), no pathos do querer, tão possante quanto o inglês David Lean (1908-1991) deu a suas incursões ora intimistas ("Desencanto", de 1945), ora épicas ("Doutor Jivago", de 1965) ao bem-querer. Houve Boris Barnet (1902-1965), russo por trás de "À beira do mar azul" (1936), que salpicava humor na massa áspera do desejo. E há Philippe Garrel ("Amantes constantes"), mas este, francês, vai por uma metafísica na qual a paixão é doença. Em Lean, paixão era um norte. Como ele, talvez só haja um: Pawel Pawlikowski, polonês responsável por tocar Caetano e Gil no suarento "Meu amor de verão" (2004), que alcançou prestígio ao ganhar o Oscar com "Ida", em 2015. Mas ali, ele era só um artesão embevecido com o próprio rigor técnico, dado a força plástica de suas imagens em preto e branco. Não havia a transcendência que transpira de cada quadro (um mais rigoroso do que o outro) de "Guerra Fria", produção de 4,3 milhões pela qual ele conquistou o prêmio de melhor direção em Cannes. Agora, "Cold War" está na mira da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, com chance de ser oscarizado em três categorias: melhor diretor, filme estrangeiro e fotografia, coroando os enquadramentos de Lukasz Zal, por toda sua beleza plástica na saturação do P&B. Temos um romance desvairado, descabelado e doído como os de Lean: o maestro Wiktor (Tomasz Kot) e a cantora Zula (Joanna Kulig), revelada por ele, entram numa simbiose de almas em meio à realização de um espetáculo e, para fugir do controle do Estado, ganham a Europa à cata de paz. Mas existe o amor e existe a vida, sua inimiga. Nas andanças, em anos de vai e vem por muitos países, o certo vira errado e brotam demandas a serem vencidas, como ciúme, posse, gastura. É um filme sobre correntes que libertam e liberdades que agrilhoam: um ensaio sobre a hipótese do perpétuo no efêmero da vida a dois. É um filme existencial, sobre o ônus de gostar demais. Um filme onde o som é titânico, como engenharia técnica, na demarcação do beleza e do desvario. É a virada de Pawel para o panteão dos poetas da imagem.

*Roteirista e crítico de cinema

Macaque in the trees
Premiado em Cannes, filme fala do romance entre um maestro (Tomasz Kot) e uma cantora (Joanna Kulig) (Foto: Fotos: Divulgação)

______________________________

GUERRA FRIA: **** (Muito Bom)

Cotações: o Péssimo; * Ruim; ** Regular; *** Bom; **** Muito Bom