SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - João Gilberto influenciou gerações. Se fosse necessário reduzir ao extremo uma lista de discípulos declarados, talvez citar Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil fosse suficiente para entender em que dimensão ele mudou a cara e o som da música brasileira.
As palavras "voz e violão" são associadas o tempo todo à arte de João, morto neste sábado (6), aos 88 anos, no Rio. Mas há outra dupla que é componente fundamental na revolução sonora feita a partir de "Chega de Saudade": o microfone e o amplificador.
Ele foi perspicaz ao entender que esses recursos técnicos, que se tornaram mais acessíveis no cenário musical nos anos 1950, permitiam aos cantores uma emissão de som mais próxima da fala cotidiana.
Sem microfone, a necessidade de projetar a voz diante de grandes plateias valorizou por décadas artistas com evidentes qualidades vocais, mas também inibiu a carreira de muitos que não conseguiam atingir a extensão sonora dos mais reverenciados.
Assim, não é possível imaginar compositores de voz pequena tendo coragem de exibir sozinhos suas canções antes do caminho aberto por João Gilberto. De Chico Buarque a Marcelo Camelo, todos precisam prestar agradecimento ao mestre.
Sua maneira de cantar, com uma emissão vocal natural, nunca cedendo a excessos, acaba destacando cada verso. João Gilberto mostra dicção impecável, feito Frank Sinatra dos anos 1940 e 1950, deixando clara a força das letras.
É curioso ler em biografias diversas sobre o impacto de "Chega de Saudade" na mais poderosa geração de compositores e artistas populares brasileiros, surgida nos anos 1960.
Caetano, Chico, Gil, Gal Costa e Jorge Ben Jor relembram com detalhes o arrebatamento imediato em suas vidas.
Falam sobre onde estavam quando escutaram "Chega de Saudade" pela primeira vez (Gil ouvindo rádio em casa, Caetano com um amigo num bar em Santo Amaro) e são unânimes ao contar que depois disso ouviam o disco todos os dias, por muito tempo.
Gil expande a influência para além da música. Diz que João ensinou a ele e a seus contemporâneos que um homem poderia ser elegante e educado.
Para Gil, é a valorização da delicadeza que passou a ser questão de postura no palco e de comportamento na vida.
Se é evidente encontrar fundamentos do jeito gilbertiano de fazer música em artistas como Francis Hime ou Max de Castro, distantes à beça em estilo e geração, por outro lado é tarefa ingrata encontrar um artista relevante que se aproxime de ser um imitador.
Claro que micagens se espalham pelas noites, em simulacros de João Gilberto no Brasil e no mundo, mas são apenas covers esforçados. Não há condições para o aparecimento de um novo João Gilberto.
Com o sucesso internacional da bossa nova, sua influência é imensa. Cantores e músicos de jazz tentam trabalhar em cima da cadência do canto, estudando minuciosamente a respiração do baiano.
Em casas noturnas americanas e, principalmente, japonesas, a presença desses seguidores nos palcos é enorme.
Entre nomes consagrados, há influência evidente no canto de estrelas como a americana Stacey Kent ou a canadense Diana Krall.
O alcance da arte de João Gilberto chega até a artistas importantes do rock. Andy Summers, ex-guitarrista do Police, diz que passou semanas ouvindo só "Chega de Saudade" quando descobriu o disco, na Inglaterra dos anos 1960.
Mais surpreendente é Paul Weller. Cantor e guitarrista do trio The Jam, nome essencial dos anos 1970 misturando o som de bandas mod da década anterior com a pegada do punk, largou esse caminho em 1983 ao criar o grupo Style Council, com influências de bossa nova e jazz.
"Naquele momento, João abriu minha cabeça. Foi um impacto tão grande para mim como foram The Who e Sex Pistols", disse Weller a este repórter.