Marco Antonio Barbosa, Jornal do Brasil
RIO - Um sutiã. Eis a diferença entre um mero publicitário bem-sucedido e um profissional capaz de redefinir os rumos do mercado. Em abril de 1987, Washington Olivetto e sua agência na época, a W/GGK, lançavam a campanha Valisère Primeiro sutiã, estrelada pela atriz Patrícia Lucchesi (então com 11 anos) vivendo uma adolescente que comprava sua primeira peça íntima. O comercial não apenas levantou a imagem da marca de lingerie, além de ganhar vários prêmios no Brasil e no exterior. Também se tornou um ícone da publicidade dos anos 80, cravando no imaginário popular a frase O primeiro sutiã a gente não esquece . E mudou a trajetória profissional de Olivetto um feito vultoso, visto que ele já criara campanhas clássicas com a do Bombril, com o ator Carlos Moreno (O anúncio pode ser visto ou revisto na internet, acompanhado de um depoimento de seu criador, no endereço https://www.youtube.com/watch?v=Emr0uk4FoE4).
Olivetto agora presta reverência ao anúncio do primeiro sutiã com o livro O primeiro a gente nunca esquece (Planeta), no qual reconta os bastidores da criação da campanha e o impacto que o anúncio causou no Brasil e no mundo (mesmo só tendo sido veiculado na íntegra três vezes, na Rede Globo). E recupera dezenas de reportagens, entrevistas e artigos de jornais e revistas que citam e/ou adaptaram o bordão da campanha nos últimos 21 anos. Uma mera amostra da popularidade da frase, que, se digitada no Google, retorna mais de um milhão de citações espalhadas pela internet. Em entrevista por telefone, de Nova York, o publicitário conta ao Jornal do Brasil como a campanha da Valisère transformou sua carreira e fez de uma frase sua um ditado popular contemporâneo.
Qual a sensação de ver uma frase criada por você entrar para a história da cultura popular?
Tenho uma obsessão no meu trabalho: sempre quero que o anúncio que estou criando vá além de suas prioridades básicas, no caso, vender o produto. Sempre espero que caia na boca do povo, que vire algo realmente popular. Já experimentei essa sensação algumas vezes: o garoto Bombril, o cachorro da Cofap, os garotinhos do DDD da Embratel. E é o que acontece agora também com a campanha Vota Brasil, que fizemos para o Tribunal Superior Eleitoral. Mas o primeiro sutiã foi realmente emblemático. Foi uma coisa estrondosa.
O anúncio realmente marcou a publicidade...
O incrível, que pouca gente lembra, é que o comercial só passou inteiro, em sua versão de 90 segundos, três vezes. Hoje temos a impressão que não parava de passar na televisão. O curioso é que hoje tem gente que usa a frase como se fosse um dito popular, jovens que nem eram nascidos em 1987. Já vi escrito num blog: Como reza aquele velho ditado, a primeira vez a gente nunca esquece .
E como surgiu a idéia de um livro para homenagear a influência do anúncio?
Eu estava lendo em uma revista inglesa, no ano passado, que em 2007 o sutiã completava 100 anos. E então lembrei que em 2008 o comercial da Valisère chegaria à maioridade completaria 21 anos. Quem tinha me despertado a atenção sobre a popularidade da frase o primeiro a gente nunca esquece foi o Fernando Morais, que se deparou com várias citações à expressão quando fazia a pesquisa para a biografia que escreveu da W/Brasil, minha agência (Na toca dos leões, 2003, editora Planeta). Tive a idéia de compilar os melhores textos que incorporaram a frase desde então.
E são muitos?
A pesquisa foi feita pela equipe da Maria Delcina Feitosa. Foi um puta trabalho de carpintaria. Num levantamento na internet, obtivemos mais de 1 milhão de páginas citando a frase do comercial. Para o resultado, selecionamos 28 mil páginas, sobre as quais me debrucei de dezembro do ano passado até junho. Perdi os todos os sábados e domingos e pelo menos duas noites no meio da semana, todas as semanas, lendo tudo. Passei um pente fino, selecionando os melhores textos, as coisas mais folclóricas. O resultado ficou interessante, pois mistura de tudo. Tem entrevistas, notas, paródias, citações em programas de TV. Estou ansioso para ver o livro pronto, viajei para os EUA sem o resultado no papel.
Quando percebeu que o comercial teria impacto tão grande no imaginário público?
Já na noite de estréia o anúncio estreou no intervalo do Fantástico, num domingo meu telefone não parava de tocar. Então vieram os prêmios, aqui e lá fora. No Japão chegou a ser eleito melhor comercial do ano no mundo todo. Lembro que comecei a ler a frase pipocando, pouco tempo depois, em textos sobre gastronomia: O primeiro coq au vin a gente nunca esquece . Cerca de 10 anos depois, era uma frase corrente, todo mundo repetia normalmente.
E desse mundo de citações, qual dá mais orgulho hoje?
Gosto particularmente quando usam num contexto de humor. Quando a turma do Casseta & Planeta usava, ou aparecia no Planeta Diário, eu achava ótimo. Uma honra. Também tem no livro um ensaio do Otávio Frias Filho (diretor de redação da Folha de São Paulo) muito conseqüente, uma análise semiótica do impacto da campanha. E também as teses acadêmicas. Achamos mais de 40 teses de mestrado ou doutorado sobre o comercial, o que me deixa muito feliz. Quer dizer, a campanha conseguiu se imiscuir em várias instâncias culturais. Infelizmente, faltam no livro textos de dois amigos que usaram a frase, mas cujos trabalhos não consegui recuperar: os jornalistas Matinas Suzuki Jr. e Nirlando Beirão.
Há um texto de José Bonifácio de Oliveira, o Boni, fechando o livro. Qual foi o papel dele na história da campanha?
Queria alguém que entendesse realmente de comunicação popular para fazer o posfácio do livro. Quem melhor que o Boni? Lembro que em 1987 fui diretamente a ele na hora de veicular o anúncio pela primeira vez. Queria que tivéssemos um break comercial do Fantástico só para nós, coisa que nunca havia acontecido e nunca se repetiu depois. E ainda por cima era um filme longo, de 90 segundos, quando quase todos os anúncios chegavam a no máximo um minuto de duração. Mostramos o filme para o Boni e ele adorou e autorizou, mesmo achando o formato estranho a princípio. E no texto que fez para o livro, ainda mandou: O primeiro Olivetto a gente nunca esquece .
Ao final do livro há a reprodução da carta que um comissário de bordo escreveu para o senhor, num encontro casual num vôo entre Nova York e São Paulo, em 2004. Como foi essa história?
Pois é, eu sentei no avião, peguei no sono e ao desembarcar o comissário um cara superdiscreto, aliás me passou um cardápio com uma carta manuscrita dentro. E ele contava que o comercial da Valisère tinha tido uma importância muito grande para ele, que o viu aos 15 anos. Dizia que foi o primeiro contato que ele teve com a poesia. E hoje o cara é uma drag queen que atende pelo nome de Gazelle em Nova York, faz um tremendo sucesso! Achei a história incrível, uma forma interessante de quebrar as expectativas ao fim do livro.