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Colunista aponta: samba de breque não tem o prestígio que merecia

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Leandro Konder, JB Online

RIO - O samba de breque não tem sido prestigiado como merecia. Nos anos 40 e 50, era saudado como expressão da cultura brasileira em sua dimensão popular e ao mesmo tempo sofisticada.

Teve dois criadores tão brilhantes que talvez mereçam título de geniais: Wilson Batista e Geraldo Pereira. Há alguns anos, Claudia Matos escreveu um livro sobre o samba de breque (Acertei no milhar), que contém informações que nos ajudam a perceber a riqueza do movimento manifestado na malandragem do tempo de Getúlio Vargas.

Geraldo Pereira, mineiro, radicado no Rio, morreu bastante jovem, depois de uma briga com Madame Satã, num botequim da Lapa. Segundo se dizia, tinha morrido em conseqüência da surra que levou. Mas não é verdade. Pelo atestado de óbito, verifica-se que foi seu fígado que o matou.

Wilson Batista era de Campos e estreou como sambista na famosa polêmica com Noel Rosa. Wilson fazia a apologia da malandragem e Noel, já famoso, ridicularizou-o, investindo contra ele e contra a figura do malandro (que, um pouco mais tarde, ele haveria de exaltar).

O samba de Wilson Batista dizia que, arrastando o tamanco, um lenço no pescoço e navalha no bolso, o malandro tinha orgulho em ser vadio. Noel ironizou: Deixa de arrastar o teu tamanco, pois tamanco nunca foi sandália. (...) E joga fora essa navalha, que te atrapalha .

Noel tocou no ponto mais sensível do samba de Wilson, pois recomendava que fosse abandonada a expressão malandro e substituída por rapaz folgado .

Wilson, que era ele próprio a encarnação do malandro, associou-se a Geraldo Pereira uma única vez na vida, quando ambos fizeram uma pequena obra-prima do samba de breque intitulada Acertei no milhar.

No samba da parceria Wilson/Geraldo, o malandro saía vitorioso, realizando sua fantasia de vencer na vida como malandro, graças a um prêmio da loteria. Passa a morar com Etelvina, sua mulher, no Palace Hotel, passeia pela Europa, percorre a América do Sul e troca o nome de Etelvina para Madame Pompadour. Tudo, entretanto, era um sonho. A vitória momentânea resultava em frustração.

Uma das formas da sabedoria do malandro no gênero samba de breque está no modo como a malandragem lida com a decepção. Os sambistas, em suas obras, às vezes criam uma espécie de suspense que prepara o fracasso, somente explicitado no final do samba.

Uma abordagem dessa questão bastante original se acha no samba Baile na Piedade. O protagonista vai ao baile e é seduzido por uma jovem. Para impressionar sua sedutora, ele conta que é advogado. Tirando do bolso seu cartão de visitas confunde-se e o que exibe é uma carta de baralho. A derrota parecia irremediável. Mas a surpresa veio da parte da moça: Deu um sorriso e disse:/ És quem eu procuro/ Vejo um homem de futuro/ Que me sabe compreender/ Tenho um barraco lá no morro do Salgueiro/ Tu serás meu companheiro/ Parceiro do meu viver/ Eternamente até morrer .

Muitas outras coisas mereceriam ser analisadas no universo do samba de breque. Sambas como Na subida do morro e O escurinho, bem como Sem compromisso, de Geraldo Pereira, ou Ó seu Oscar, O bonde São Januário e Emília, de Wilson Batista.

A insuficiente atenção que o gênero do samba de breque tem merecido talvez tenha a ver com um certo esnobismo que facilita a infiltração de preconceitos estéticos no âmbito das universidades brasileiras.