Daniel Schenker, Jornal do Brasil
RIO - Parece improvável que o diretor de Toc toc, texto despretensioso de Laurent Baffie centrado numa imprevista reunião entre pacientes portadores de transtorno obsessivo compulsivo, seja o mesmo da premiada versão de Oração para um pé-de-chinelo, trágico embate entre personagens em flerte direto com a marginalidade, assinado por um dos principais dramaturgos brasileiros, Plinio Marcos. Mas foi Alexandre Reinecke, 39 anos, o responsável pelas duas montagens. No seu caso, a busca pela versatilidade não vem resultando em espetáculos impessoais. A relação das obras encenadas por Reinecke é extensa. Há, além das citadas, comédias de costumes, como Quarta-feira, sem falta, lá em casa, de Mário Brasini, e Sua excelência, o candidato, de Marcos Caruso e Jandira Martini, textos de autores renomados, como O santo e a porca, de Ariano Suassuna, e Álbum de família, de Nelson Rodrigues, mergulhos no humor negro, caso de Arsênico e alfazema, de Joseph Kesselring, peças ácidas, como Art, de Yasmina Reza, e experiências dramatúrgicas contemporâneas, a exemplo de Vergonha dos pés e de A ideia, ambas de Fernanda Young (a segunda em parceria com Alexandre Machado). No entanto, cabe identificar uma possível tendência no percurso de Reinecke: o trabalho com diferentes registros de humor.
Sou um diretor de teatro que procura lidar com os mais variados gêneros. Mas, de certa forma, valorizo a comédia. Em primeiro porque representa um desafio. É difícil acertar o ritmo, não deixar que o ator faça concessões para buscar o riso fácil do público. E não vamos ser hipócritas. Há um fator financeiro envolvido. Como todo profissional tenho ambições assume.
Não por acaso, Alexandre Reinecke planeja investir numa remontagem de Trair e coçar... é só começar. Não se trata, porém, apenas do desejo de reeditar um megasucesso que estreou há mais de 20 anos. Reinecke participou como ator da peça de Marcos Caruso.
Fiz Trair e coçar... durante quatro anos. Ali aprendi tudo sobre a disciplina da comédia, principalmente com Denise Fraga e Roberto Pirillo relembra.
Reinecke formou-se num curso profissionalizante do Conservatório Carlos Gomes, em Campinas. Enveredou pela carreira de ator até fazer a transição para a função de diretor.
Não me considerava um bom ator. Detestava decorar texto. Quando fiz uma assistência de direção para Paulo Autran, percebi que a maior parte dos meus projetos estava mais ligada à direção do que à atuação afirma Reinecke, que foi assistente de Autran no espetáculo Um dia das mães, de Jeff Baron.
Seu último trabalho como ator foi na montagem de O que o mordomo viu, de Joe Orton, em 2000. Hoje já contabiliza no currículo 21 espetáculos que dirigiu. Não renega o passado. Tanto que garante gostar especialmente de dirigir atores. Nos últimos anos, conduziu nomes de ponta, a começar por Beatriz Segall e Myriam Pires em Quarta-feira, sem falta, lá em casa.
Apresentei o projeto para Myriam, que tinha sido amiga do Mário Brasini, e disse que Beatriz poderia tomar referências sobre o meu trabalho com Paulo Autran. Durante o processo, foi muito gratificante ver que elas, tão experientes, confiavam em mim, tão inexperiente ressalta.
Beatriz Segall, que fez nova temporada ao lado de Nicette Bruno depois da morte de Myriam Pires, avalia como satisfatória a empreitada com Reinecke.
Ele se revelou uma surpresa bastante agradável. Dirigiu muito bem um espetáculo que considero feliz na minha trajetória. Adoro trabalhar com gente jovem elogia Beatriz, que, antes de Reinecke, foi dirigida por um ainda iniciante Miguel Falabella, na década de 80, em Emily, monólogo centrado na escritora Emily Dickinson, um dos grandes sucessos de sua carreira.
Nos últimos tempos, Alexandre Reinecke travou parceria com alguns atores, como Marcia Cabrita que começou a namorar durante os ensaios de Toc toc, em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Marília Pêra) Norival Rizzo, Marat Descartes e Denise Weinberg, a quem não poupa elogios.
Dessa nova geração considero como um dos mais ativos. Agita, produz, corre atrás. Seus ensaios são divertidos e objetivos. Tem uma incrível habilidade para levantar uma peça em 15 dias e talento especial para a boa comédia ligeira diagnostica.
Denise foi dirigida por Reinecke em Oração para um pé-de-chinelo, Arsênico e alfazema e Álbum de família. A atriz, inclusive, sugeriu a montagem de Toc toc depois de assistir à encenação do texto em Paris há poucos anos.
Marcia Cabrita também aprova seu método de direção.
Gosto de quem tem respostas para as perguntas. Reinecke trabalha a comédia de maneira precisa e bem marcada. Em Toc toc, por exemplo, não cabia improviso. Tive que me adaptar porque adoro improvisar. E ele pesquisa peças. É muito bom para mim porque não costumo ter esta iniciativa diz Cabrita, que já substituiu Fernanda Young em A ideia e deve engatilhar um próximo projeto com Reinecke: a montagem de um texto francês, traduzido, como Adorei o que você fez, na qual contracena com Tato Gabus Mendes.
Existem outros projetos bem diversificados que Alexandre Reinecke deseja viabilizar nos próximos tempos, como as montagens de Elogio da loucura, de Erasmo de Rotterdam, e TPM Katrina, de Paulo Coronato, além de uma assumida vontade de trabalhar com Claudia Jimenez. Como se vê, em meio a tantos planos, é complicado enquadrá-lo.
Não gosto de classificações confirma.