Nelson Gobbi, Jornal do Brasil
RIO - Há 16 anos, os arredores de Palmitos, cidade de 16 mil habitantes no oeste de Santa Catarina, são assombrados por entidades sobrenaturais. Vez por outra, as matas da região ficam tomadas por mortos-vivos, alienígenas, monstros canibais e até leguminosas assassinas. As aparições, que já não assustam os moradores do município próximo à fronteira com a Argentina, são fruto da mente do cineasta Petter Baiestorf, 35 anos, dono da Canibal Produções e responsável por pérolas trash como O monstro legume do espaço (1995), Eles comem a sua carne (1996), Zombio (1999) e Raiva (2000). Parte da filmografia de Baiestorf que soma 15 longas, além de quase uma centena de obras, entre curtas e médias ganha, a partir de hoje, seis sessões especiais na Mostra do Filme Livre 2009, em cartaz no Centro Cultural banco do Brasil até o dia 26.
Geralmente meus filmes ficam restritos a mostras alternativas, mais abertas a temas como sexo e violência conta Baiestorf, com sotaque carregado da fronteira argentina. Trouxe alguns filmes mais recentes, como A curtição do avacalho, de 2006, que têm uma narrativa mais dinâmica. Antes, eu fazia os cortes de vídeo para vídeo, e a edição ficava muito dura. Outros filmes, como Blerghhh!!!, de 1996, foram reeditados para o lançamento em DVD e tiveram o som melhorado. Como meus atores são, na maioria, da região, muita gente não entende as expressões e o sotaque.
Além da estética resultante de efeitos especiais improvisados, a Canibal Produções, iniciada por brincadeira aos 18 anos, segue uma forma de produção inteiramente independente, que remete à Boca do Lixo paulistana nos anos 70 e 80. A quilômetros dos editais e leis de incentivo, Baiestorf gasta entre R$ 2 mil e R$ 5 mil com cada longa, e recupera o investimento vendendo DVDs em mostras de cinema, shows de metal e via correio por R$ 12 (R$ 18, duplo).
Existe um circuito voltado a produções independentes e experimentais, dentro e fora do Brasil destaca o cineasta, que já iniciou negociações com a Troma (produtora americana especializada em filmes trash) para distribuir seus filmes nos EUA. Sempre recupero o meu investimento com a venda direta, inclusive para locadoras. Todas na minha região ficam com os filmes porque eles têm uma saída semelhante aos blockbusters de terror americano, com um custo muito menor. Existe uma falta de visão das distribuidoras em não querer investir nesse filão.
O cinema de guerrilha, que se tornou a única opção viável para o catarinense, poderia, na sua opinião, servir de exemplo para cineastas iniciantes.
Sempre digo a eles que existe uma saída sem recorrer aos financiamentos. Dá para se manter fazendo obras de baixo orçamento. O que acontece hoje, no mercado brasileiro, é que nem temos um cinema popular, como eram os filmes do Mazzaroppi ou os do Teixeirinha, nem um cinema que traga uma linguagem nova. Vejo muitos filmes preguiçosos, baseados em fórmulas comerciais, como esse Se eu fosse você 2.
Para Baiestorf, Encarnação do demônio, último longa dirigido por José Mojica Marins, o criador do personagem Zé do Caixão, lançado no ano passado, prova como o mercado brasileiro é despreparado para difundir filmes de gênero.
O filme foi lançado de maneira errada, não conseguiu atingir o público do Mojica sentencia. A maioria das distribuidoras brasileiras tem um pensamento muito antigo, uma visão limitada. É preciso que elas parem de investir somente em fórmulas e deem um passo em direção ao século 21.
Reações extremadas
Um dos curadores da Mostra do Filme Livre, o também cineasta Christian Caselli diretor do documentário Baiestorf: filmes de sangueira e mulher pelada, ganhador dos prêmios de Direção e Contribuição à Linguagem Cinematográfica no Recine de 2006 ressalta o papel de realizadores independentes como Baiestorf.
Propus a criação de uma sessão de suas obras na Mostra do Filme Livre por acreditar que ele trabalha em vários graus de liberdade, como a estética, a temática e a financeira. frisa Caselli. O que acho interessante em seus filmes é que atingem um nível de resposta tão radical quanto o que se vê na tela, ou o público se identifica ou odeia. Não há reações comedidas.
O próprio cineasta refuta as reações menos vigorosas:
Não gosto quando o público assiste a um filme e diz só que é bom, sem demonstrar uma reação mais forte revela. Fico satisfeito mesmo quando as pessoas não gostam e vêm falar comigo depois da exibição. Posso ficar horas conversando sobre isso.
Após a mostra dedicada às suas obras no Rio, Baiestorf planeja voltar a Palmitos e começar a escrever um novo roteiro para filmar no meio do ano.
Tenho uns três argumentos, mas ainda não sei o que transformar em roteiro. Ainda não consegui parar e tentar escrever este ano comenta o cineasta. De qualquer modo, espero estar com o filme pronto até julho, já que, entre o roteiro e a edição final, geralmente levo um mês para terminar.