Leandro Souto Maior, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Ele partiu do Brasil, nos anos 60, rumo aos Estados Unidos, para tocar sua percussão e não mais voltou. Pudera, a lista de nomes com quem atuou por lá é invejável: de Miles Davis e Carlos Santana a Chick Corea e o grupo Weather Report. Mesmo com tal currículo, Airto Moreira não alcançou o merecido reconhecimento em seu país, onde poucos sabem de seus feitos e talento. O percussionista não se importa mesmo que muita gente o procure mais interessado nas histórias fantásticas que acumulou ao lado dos principais nomes da música mundial do que para ouvir o que seus chocalhos e pandeiros têm a dizer atualmente. Inclusive, quando faz shows por aqui, mescla a parte musical com um workshop, onde conta casos inacreditáveis presenciados nos bastidores.
E assim será, a partir de 5 de setembro, quando inicia série de raras apresentações no Brasil como uma das principais atrações do PercPan, o festival
internacional de percussão,
que começa por Salvador e chega ao Rio no dia 8, no
Oi Casa Grande, no Leblon.
Ao lado de sua mulher há mais 40 anos, a cantora Flora Purim, vai tocar e contar como sua batucada fez a cabeça de tanta gente mundo afora.
Gravei até com grupos como o Depeche Mode, em seu mais recente álbum, e o Smashing Pumpkins destaca Airto, por telefone de Lisboa, onde prepara o novo CD de Flora. Acontece muita coisa assim: estou em estúdio e tem gravação na sala ao lado. Quando descobrem que estou ali, costumam me recrutar. Mas só aceito se realmente gosto do trabalho. Se não curto, dou uma desculpa.
Documentário, livro e DVD
O casal trabalha em Flora brasileira, próximo disco da cantora, que não lança algo novo desde Flora's song, de 2005 (o mais recente lançamento solo de Airto, Life after that, é de 2003).
Talvez seja o maior e melhor disco da minha vida prevê Flora Purim. Será um álbum brasileiro, com músicos e compositores brasileiros e sobre o Brasil. A decisão de produzir este trabalho, que começou aqui em Portugal e será terminado no Brasil para lançamento em outubro, surgiu no mesmo momento em que fui convidada pelo Chick Corea para participar de uma turnê reunindo seu célebre grupo Return To Forever, que eu integrei. Estou esperando ele enviar as datas dos ensaios e concertos para saber se vou conseguir conciliar, porque o compromisso com meu novo projeto é grande.
Depois do disco, está nos planos um documentário musical sobre a carreira do casal, um livro e um DVD, além de uma turnê pelo mundo com o novo show. Material para o documentário há de sobra, tantas foram as experiências vivenciadas pelo casal em anos de carreira internacional.
Ao lado de Miles Davis
Em 1970, Airto participou na banda de Miles Davis do antológico festival da Ilha de Wight, na Inglaterra, palco das últimas grandes performances de Jimi Hendrix e Jim Morrison. Gilberto Gil e Caetano Veloso, que lá estavam exilados, pediram ao percussionista brasileiro para apresentá-los ao badalado trompetista.
Falei para o Miles que dois amigos meus, músicos do Brasil, queriam conhecê-lo lembra Airto. Ele ficou amarrando, com ar de desconfiado, e daí falou: Cadê os brasileiros? Apontei para os dois, e ele: Entra só o negão . E o Gil ficou lá conversando com ele enquanto o Caetano esperava do lado de fora.
Em seu site, Airto Moreira descreve um pouco das aventuras que experimentou durante a carreira. Ao contar como entrou para o grupo de Miles Davis, deixa no ar o
motivo de seu afastamento.
O episódio envolve outro músico brasileiro.
É que não gosto de lembrar disso... hesita, para emendar. Apresentei o Hermeto Pascoal ao Miles Davis, que tocou alguma de suas músicas para ele. Miles gostou, gravou e lançou no disco Live evil, só que não deu o crédito da composição ao Hermeto. Fui pedir satisfações, e ele falou: Rapaz, você tem muito o que aprender ainda...
O percussionista acionou advogado, fez o escambau para garantir o direito do amigo.
Ate hoje o Hermeto recebe por aquelas gravações. Foi uma passagem super desagradável, mas o Miles não me despediu do grupo. Fomos nos afastando naturalmente. Depois, o encontrei várias vezes, e ele sempre dizia: Hey brazilian, how is everything?
Momentos testemunhados de perto pela inseparável Flora Purim. Juntos, viveram os altos e baixos dos loucos anos 60 e 70, e até hoje trabalham e convivem em sintonia. O segredo da longevidade da relação?
Foi o Airto a primeira pessoa que me falou da música como um elo para se viver em paz. Quando toca, é uma única lingua, a do coração desmancha-se Flora. Além disso,
a gente bebe muita água e
não deixa a relação esfriar um dia sequer.