Taís Toti, Jornal do Brasil
RIO - Já faz tempo que o Playmobil deixou de ser apenas um brinquedo para fazer parte da cultura pop e entrar até mesmo nas galerias de arte. Mas se o sorriso sempre constante no rosto dos bonecos só corroborava o clima leve e cômico das obras, na série Violência não é brincadeira, de Heberth Sobral, ele aparece como um soco no estômago diante das situações de violência urbana reconstruídas com os risonhos bonecos. O pintor e fotógrafo Heberth Sobral já tinha a ideia de fazer várias fotos sobre termas como a violência, moradores de rua e abuso policial, mas o uso dos brinquedos foi inspirado nas matérias dos telejornais.
Nas reportagens feitas na rua sempre aparecem crianças e pessoas sorrindo, falando filma eu comenta Sobral A matéria é sobre uma coisa séria, eles mostram a rua esburacada e as pessoas estão fazendo brincadeiras. Daí surgiu a ideia de usar o Playmobil, que está sempre sorrindo.
O contraste entre o sorriso e as cenas retratadas reflete o comportamento do brasileiro que está sempre feliz, mesmo com as dificuldades .
O sorriso é a crítica. O brasileiro é sorridente mas não reclama. Tudo para nós é Carnaval, é campeão. Enquanto isso tem gente matando, enfiando dinheiro na cueca. Estamos rindo do quê?
Para a série cujas fotos estão expostas na Galeria Vila Seca (Avenida Ataúlfo de Paiva, 1.079, subsolo 109, Leblon) Sobral focou em questões causadas pelo descaso dos órgãos públicos, como as enchentes, os moradores de rua, os confrontos entre policiais e torcedores nos estádios de futebol e a truculência do aparato de segurança. Sobral também está preparando mais fotos, retratando traficantes na laje, roubo de celular, e um motorista alcoolizado que atropela um bonequinho .
São cenas inspiradas na falência do Estado. A da enchente foi inspirada numa reportagem sobre a Baixada Fluminense. Durante a enchente as pessoas estavam recebendo doações de roupa, brigando para pegá-las, e, no meio daquela confusão, uma pessoa percebe que está sendo filmada, olha para a câmera e dá aquela risadinha.
Sobral escolheu os flamenguistas (adaptando um uniforme do time nos bonecos) para a foto da briga entre torcedores e policiais. A camisa do time também aparece em um dos integrantes da quadrilha presa. Mas o artista garante que não quis provocar ou corroborar com algum preconceito pelo time.
É briga de torcida organizada, torcedores enfrentando policiais. O clube mais popular do país é o Flamengo, por isso o escolhi justifica o artista plástico. Acabou que um deles foi parar na foto da quadrilha, mas não foi por maldade, é porque tem mais apelo, popularidade.
Além de estilizar as camisas do Flamengo nos bonecos, o artista também utilizou outros objetos para criar o ambiente urbano das fotos. Os tabletes de droga foram feitos com tijolinhos de Lego envolvidos por fita adesiva marrom. Já os cenários são compostos não só de fachadas feitas de Lego como por partes da própria casa de Sobral.
Cotidiano das cidades também está nas pinturas
As fotos da série Violência não é brincadeira, à venda na Galeria Vila Seca, dividem espaço com as pinturas de Heberth Sobral. Assistente do consagrado Vik Muniz, há quatro anos transformou o hobby em profissão.
Venho acompanhando o crescimento de Heberth desde o ano passado. Tenho o seu trabalho de pintura em tela, mas fiquei fascinado com a história do Playmobil elogia Jaime Portas Vilaseca, dono da galeria que expõe as obras de Sobral. .
Apesar de nem sempre tratar da violência, o trabalho de pintura e a série com o Playmobil têm algo em comum:
Sempre abordei temas urbanos. Sou um apaixonado pela cidade grande comenta Heberth Sobral.
Vilaseca ressalta a característica cosmopolita dos trabalhos de Sobral:
Vem do processo criativo a questão do cotidiano, a presença do dia a dia. Ele registra o que vê todo dia e através disso desenvolve as telas. Ele tem melhorado cada vez mais esse processo. No último quadro, chamado Infância, você vê que ele evoluiu muito. Acho que ele está no caminho certo, está muito bacana.
Mesmo nos trabalhos de pintura do artista há uma forte influência da fotografia, que serve de base para as obras:
Ele faz fotografias e através delas começa a fazer o projeto de pintura sobre tela. Predominam os tons de preto, branco e cinza, com pouquíssima cor, texturas, dando um movimento forte no trabalho. Ao mesmo tempo que é forte, é leve, por ter poucas cores opina Vilaseca.
Em abril deste ano, a série com os bonecos Playmobil de Heberth Sobral volta em uma exposição coletiva na Galeria Vila Seca, tendo como tema a violência urbana.
A ideia da exposição é fazer com que cada artista passe o que é a violência para ele. A abordagem não passa apenas pela criminalidade, mas também a violência estética, a poluição, os carros detalha Vilaseca.