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Morte de J.D. Salinger inspira discussão sobre atualidade de clássico

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Jornal do Brasil

DA REDAÇÃO - Morto na última quinta, aos 91 anos, Jerome David Salinger deve muita de sua reputação como um dos escritores americanos mais influentes do século 20 a O apanhador no campo de centeio, seu primeiro romance, publicado em 1951. O livro contava em primeira pessoa um fim de semana na vida de Holden Caufield, um adolescente novaiorquino voltando para casa depois de ser reprovado num colégio interno de elite. Exibindo uma percepção incomum da mente juvenil, o livro tornou-se imenso sucesso de público (já vendeu cerca de 65 milhões de cópias até hoje). E também causou polêmica por sua linguagem chula e suas liberais alusões sexuais. A influência da narrativa foi fundamental na construção da imagem do adolescente rebelde, tão explorada mais tarde no cinema, na TV e na literatura.

Dois editores do Jornal do Brasil Álvaro Costa e Silva e Marco Antonio Barbosa discutem sobre a perenidade de O apanhador. Sessenta anos depois, o livro ainda continuaria relevante?

Obra crucial do autor já exibe algumas rugas adolescentes

Alvaro Costa e Silva

Editor do Ideias & Livros

Se você tem 16 anos e, por obra da graça, O apanhador no campo de centeio lhe cair nas mãos, você está no melhor dos mundos. É a idade do protagonista do romance, Holden Caufield, o adolescente magrelo e desbocado que está de saco cheio de tudo, como você também deve estar, se for um garoto normal.

Mas pode acontecer diferente. O sujeito está chegando ou já passou dos 30 e se sente mal, por fora, porque todo mundo e mais a torcida do Botafogo já passaram pelo livro, menos ele. Resolve então encarar The catcher in the rye (o título original e intraduzível da obra) num fim de semana. E o toque de mágica plim! se dá do mesmo jeito.

A segunda hipótese, muito mais frequente do que a primeira, explica não só o espantoso sucesso do livro como um fenômeno contemporâneo tão comum que quase ninguém mais repara nele: as pessoas cada vez saem mais tarde da adolescência quando saem.

É claro que J. D. Salinger não tem a nada ver com isso. Seu negócio foi escrever um romance publicado lá atrás, em 1951 da melhor maneira que lhe foi possível.

A grande sacada: decidir contar a história em primeira pessoa numa linguagem que mais lembra a fala do que o texto escrito. Daí que o narrador é um personagem que trata o leitor como você . E daí também que somos mais ouvintes que leitores. Antes de Salinger, era um recurso comum entre os autores americanos se você pensou em Mark Twain, acertou na mosca e autores russos, que até inventaram uma palavrinha para designar essa maneira de narrar: skaz. Em resumo é o seguinte: quem não gosta de um bom papo?

Só que não estamos na mesa do Alfarabi, nem no metrô, nem na fila do banco. O que Salinger fez é literatura, esforçando-se para nos dar uma ilusão do real. O tom informal uma espécie de gíria particular: tudo é crazy, tudo é lousy, tudo é phony, e todo mundo é old, até a irmã do narrador, Phoebe, de apenas 15 anos lhe garante não só espontaneidade como também autenticidade, uma das coisas mais difíceis de se conseguir em literatura.

Mesmo assim a exemplo de muita gente que entende do riscado mais do que eu fecho com os contos de Salinger, especialmente aquele que abre a coletânea Nine stories, A perfect day for bananafish, um relato, digamos, adulto. Apesar de toda a frescura teen, O apanhador, ao menos na avaliação deste quarentão, já exibe algumas rugas.

Todos os rebeldes sem causa devem tributo ao livro

Marco Antonio Barbosa

editor da Revista Programa

O que faz com que um livro narrando acontecimentos quase banais, ocorridos com um adolescente nada extraordinário, transforme-se na mais acurada e sensível crônica da juventude do século 20? Só quem chegou a ler O apanhador no campo de centeio pode dizer com certeza. Surgida em 1951, a novela de J.D. Salinger é não só uma das mais marcantes obras da literatura americana contemporânea; é também um marco na longa estrada que os jovens trilharam (e ainda trilham) para provar que têm direito a uma voz e uma visão de mundo próprias. O impacto que O apanhador teve no comportamento da juventude americana e por tabela, no comportamento da juventude do mundo todo ecoa até hoje, como parte importante da cultura da segunda metade do século 20.

Não há nada de trágico, ou especialmente dramático na história; é só um adolescente voltando para casa. A grande magia é justamente esta: ser uma história de e para adolescentes. Foi a primeira vez na literatura americana (ou mesmo na mundial) que o universo próprio dos jovens foi estudado a fundo e exposto de maneira absolutamente natural, sem nenhuma pretensão ou didatismo. Antes de O apanhador, não existia uma cultura jovem . Pode ser difícil de acreditar, mas há meros 60 anos os jovens (e sua maneira de pensar, suas ideias próprias e suas aspirações) não eram levados a sério pelos adultos de forma alguma.

Engraçado, comovente e forte, o livro é literatura de primeira: leve e ágil, próprio para gente jovem (que ainda não tem paciência com esta coisa de literatura ). Mas com estilo próprio e marcante. A mística sobre o autor de Holden Caulfield e suas desventuras se tornaram precursores do mito da juventude rebelde Holden contesta os mais velhos e não quer se tornar como eles, a quem considera farsantes. Toda a sua luta é para preservar os valores que ele acha verdadeiros e sinceros. Todo rebelde sem causa é filhote da cruzada de Holden por sua integridade.