Macksen Luiz, Jornal do Brasil
CURITIBA - A primeira semana da 19ª edição do Festival de Curitiba comprovou que a seleção dos espetáculos alcançou maior extensão e diversidade do que as mostras dos últimos anos. O número de montagens permaneceu em 28, mas a quantidade de estreias nacionais se ampliou para oito, com produções do Rio, São Paulo e Curitiba. Entre elas, Cinema, que o diretor Felipe Hirsch apresentou em ensaios abertos, e estreia, quarta-feira no Teatro Sesi da capital paulista. A montagem renova o elenco da Sutil Companhia de Teatro, grupo encabeçado pelo diretor carioca, há anos radicado em Curitiba, com longa estadia em São Paulo, e que agora volta a sediar a companhia na cidade. Com atores renovados e proposta que incorpora o cinema como linguagem na dramática da Sutil, Hirsch dá continuidade à experiência de um novo meio expressivo, exatamente o cinema.
No ano passado, assinou com Daniela Thomas, o seu primeiro filme, Insolacão, sofisticada teatralizacão de imagens. Cinema caminha em sentido inverso, persegue as imagens a partir da sua recepção. O público, a tela onde os atores projetam reações ao que assistem, estão diante de uma plateia de cinema, o elenco na representação de espectadores, que acompanha sessões de filmes variados. O som do que é, supostamente projetado, sejam os diálogos românticos, musicais sob a chuva, lamentos iranianos ou paixões latinas, é ouvido por quem transforma o cinema em simulacro de solidão, do desejo, e do patético. O que se passa entre as cadeiras da sala de projeção é o que a tela exibe de cada um, e por outro lado, é o que se traz, ou se procura, ao entrar na sala escura. São cenas sucessivas, inesperadas, algumas absurdas, que conduzem a um frente-a-frente, encenacão mútua do que é proposto ver, e o que deriva do olhar e de seu alcance. A busca da plateia do que selecionar para ver (há sempre algo acontecendo, quase em simultâneo), finaliza quando os atores jogam seu olhos, diretamente para o espectador. Deste modo, faz-se a conexão, que se conclui em cena altamente poetizada pela imagem de um casal que dança no corredor do cinema, até que a luz se apague, e reste apenas a brasa de um cigarro aceso. Nada mais cinematográfico, como nos antigos filmes romanticos. Um sopro renovado na trajetória da Sutil Companhia.
Outra estreia no festival, Travesties, da companhia Ópera Seca, a primeira sem a direção de Gerald Thomas, e que inicia, também na próxima semana, a temporada paulista. Mais do que qualquer avaliação deste texto, aparentemente anárquico, de Stoppard, é necessário registrar a coragem do diretor Caetano Vilela em encenar peca com tantas referencias e humor tão britânico. Esta paródia sobre a Revolução Russa e o seu papel da arte neste no movimento é arrasadoramente inteligente na constante invenção de um certo imaginário intelectual que mistura Lênin com James Joyce, Tristan Tzara com Andy Warhol, personagens de comédias de Oscar Wilde com citação aos musicais populares de Gilbert e Sullivan. São nomes e situações que pipocam a todo momento, numa torrente de invenção que deixa o espectador aturdido, algo perdido, mas, não importa qual o seu interesse no universo do autor, certamente se divertirá muito, ao entregar-se à delirante narrativa de Stoppard.
A plateia do imenso Teatro Guaíra (2173 lugares) não teve paciência para o espetáculo, e deserdou em massa durante o bem humorado intervalo. Quem resistiu, pode usufruiu de uma montagem vibrante, repleta de ironia e de beleza visual atordoante. A tradução de Marco Antonio Pamio e os atores Germano Mello, Rodrigo Lopez e Fabiana Gugli são os incontornáveis destaques.
Ainda de São Paulo e com estreia prevista para a próxima semana, Música para ninar dinossauros, texto e direção de Mario Bortolotto fez as suas três primeiras apresentações no festival. Sem abandonar as suas obsessões como autor, aliás pelo contrário, reforçando cada uma delas, Bortolotto faz um balanço de grupo de amigos cinquentões, que mergulha em noitada de bebidas e drogas, na companhia de prostitutas, num balanço melancólico de seus fracassos existenciais. Num corte de tempo, o mesmo grupo pode ser visto, 15 anos antes, no processo de formação de seus estados atuais. Com diálogos de duvidoso viés existencial, intercalados por piadinhas, ao texto corresponde montagem em que não se ultrapassa a previsibilidade dramática.