ASSINE
search button

Sábado, 10 de maio de 2025

Filme de Sandra Werneck avança sobre violência contra adolescentes

Compartilhar

Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Sandra Werneck nunca acreditou muito nessa história de olhar feminino de uma diretora ser mais sensível a temas relacionados à mulher do que um cineasta do sexo masculino. Até porque existem por aí cineastas com inegável conhecimento sobre a alma feminina, como o espanhol Pedro Almodóvar, como ela mesma indica. Mas abre uma exceção para Sonhos roubados, drama sobre o cotidiano de três meninas da periferia que chega ao circuito na próxima sexta.

Não consigo imaginar um homem na direção desse filme. Só uma mulher mesmo. Porque trata-se de uma história que lida com questões muito delicadas, como pedofilia, gravidez precoce e prostituição infantil. Além disso, é protagonizado por atrizes muito jovens, o que exige um trabalho de confiança do diretor. Não sei se essas meninas ficariam à vontade com um homem na direção admite a realizadora de 59 anos.

O filme, que ganhou o prêmio de público e o troféu de Melhor Atriz (Nanda Costa) no Festival do Rio do ano passado, descreve o cotidiano de três amigas de uma favela carioca. Jéssica (Nanda), de 16 anos, mora com o avô (Nelson Xavier) e divide a guarda da filha com o ex-namorado. Sabrina (Kika Farias), da mesma idade, sonha constituir família mas vive às voltas com romances fortuitos com rapazes do tráfico. Daiane (Amanda Diniz), de 14, foi criada pela tia, mas é molestada pelo tio Horácio (Daniel Dantas).

Mais esperançoso

Adaptação do livro As meninas da esquina, de Eliane Trindade, sobre violências contra adolescentes de comunidades carentes, o filme é, de certa forma, um desdobramento do documentário As meninas, que Sandra lançou em 2006, sobre o fenômeno da gravidez precoce em favelas. Na ficção, a problemática é ampliada em suas causas e consequências, desta vez desprovida de seu sentido trágico.

O filme é mais esperançoso que o documentário. Até porque essas meninas não se colocam como vítimas. Não é uma história sobre prostituição e sim sobre sonhos, angústias, família e solidariedade explica Sandra. É muito difícil fazer um filme desses sem cair no vulgar ou no drama barato. Tive o maior cuidado com o tema. Cheguei a segurar os impulsos do Walter (Carvalho, diretor de fotográfia do filme), porque ela adora mulher pelada. No set, eu me via dizendo: Waltinho, vamos com calma!

Sonhos roubados marca a oitava colaboração entre Sandra e Carvalho. Os dois codirigiram Cazuza - O tempo não pára (2004), visto por mais de 3,5 milhões de espectadores. A troca de ideias entre os dois foi constante, até em função das dificuldades impostas pelas locações: o filme foi totalmente rodado em ruelas, casas, barracos, biroscas e garagens do bairro de Curicica e na comunidade de Ramos. A experiência do fotógrafo de produções como Central do Brasil (1998) e Carandiru (2003) foi essencial ao trabalho.

Walter é antigo parceiro, trabalhamos juntos há 30 anos. Ele já é capaz de olhar para a minha cara e deduzir: A Sandra não vai gostar da posição em que deixei a câmera . Aí ele muda tudo de novo, sem precisar falar comigo diz.

Uma das decisões acertadas em conjunto pela dupla foi a de procurar filmar a favela fazendo uso quase que exclusivo de planos-sequência. Eles explicam que era uma forma de explicitar que a violência é interior aos personagens e não exterior a eles.

Esse talvez seja o único filme sobre a periferia no qual a violência é subjetiva. Não há armas, tiroteios ou troca de socos em Sonhos roubados avisa Sandra, autora de filmes como Pena prisão (1984, sobre crianças marginalizadas) e Damas da noite (1987, sobre prostituição infantil). A opção pelos planos-sequência é complicada, mas permite que o espectador acompanhe os personagens.

Em seu próximo filmes, Sandra voltará ao universo feminino. Mas o assunto e a faixa etária das personagens será completamente diferente. Já em fase de captação de recursos, O lugar do desejo fala sobre duas amigas de infância, uma escritora de sucesso e a outra uma ex-atriz que trocou a profissão para cuidar da família. Num momento de crise, fazem uma viagem de auto-avaliação à Argentina.

É um filme sobre perdas, amores, escolhas, assuntos que estão me cutucando no momento afirma a diretora. Gosto de falar de mulher.