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Grupo teatral transforma espetáculo em protesto contra despejo

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Para preparar o cenário do espetáculo Baderna, o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos convidou 39 artistas e apoiadores para destruírem o teatro que é sede da companhia. As marretadas não foram, no entanto, um capricho artístico. Trata-se de uma intervenção para chamar a atenção sobre o prédio que será demolido em breve para dar lugar a um condomínio de apartamentos. Os imóveis vizinhos não existem mais e o letreiro do centro cultural ficou abaixo da placa que anuncia o empreendimento residencial, na região da Pompeia, zona oeste paulistana.

O caso não é o único. Segundo a Cooperativa Paulista de Teatro, 20 espaços culturais estão ameaçados na cidade devido a processos semelhantes. “Não é o único, nem o mais violento de todos. Mas é um processo emblemático porque demonstra como, se a gente deixar a cidade ser mediada pelo interesse da especulação e concentração imobiliária, a cidade vai se tornar impraticável”, reclama um dos fundadores da companhia teatral, Eugênio Lima. A informação do despejo iminente chegou ao grupo no final de 2013.

Para evitar que a cultura continue perdendo espaço na cidade, a cooperativa e coletivos artísticos estão colhendo assinaturas para uma petição eletrônica que pede a implementação das Zonas Especiais de Preservação Cultural (Zepec). Para isso, dois artigos do plano diretor da cidade precisam ser regulamentados pelo prefeito Fernando Haddad. “Porções do território destinadas à preservação, valorização e salvaguarda dos bens de valor histórico, artístico, arquitetônico, arqueológico e paisagístico, doravante definidos como patrimônio cultural”, define o texto da proposta sobre os bens que poderão ser tombados.

A peça que entrou em cartaz no Bartolomeu na noite de ontem (19) é também uma forma de resistência. “Não é só resistir. É ir, continuar em ação para frente”, enfatizou Luaa Gabanini, a atriz que interpreta o solo Baderna enquanto se preparava no camarim. “Vai ser ótimo eu contar [sobre a peça] me trocando. Tem super a ver com o que a atriz tem que fazer”, comentou em alusão à natureza subversiva do personagem.

O espetáculo é baseado na vida de Marietta Baderna, bailarina italiana que veio para o Brasil em 1849 e deu origem ao termo usado como sinônimo de desordem. “Desde que eu encontrei essa personagem, em 2008, eu fiquei encantada e fiquei procurando uma maneira de performar essa figura”, relata Luaa. De acordo com a atriz, um dos motivos da conotação negativa dada ao nome da artista se deve ao fato de ela ter “se misturado” aos negros e incorporado a seus espetáculos passos de origem africana em um país ainda escravocrata.

“A minha imagem primeira era um corpo no escombro. Uma imagem disso: um teatro abandonado com uma bailarina perdida”, explica Luaa sobre a construção do último personagem que habitará o espaço que o Bartolomeu ocupou por oito de seus 14 anos de existência. “Quando eu vi, era o corpo de uma velha. Quando eu vi, era o corpo encarquilhado de uma bailarina. Quando eu vi, era uma bailarina enferrujada. Quando eu vi, nesse espaço, virou uma sobrevivente. Vem da ideia de alguma coisa que não desenvolveu tudo que poderia desenvolver”, acrescenta a atriz, já comparando a história da bailarina à do teatro.

Na última semana, o grupo recebeu uma notificação não oficial da incorporadora responsável pelo projeto para que deixasse o local em um mês. “Você está destruindo onde eu pousei todos os meus sonhos. Você está destruindo onde o processo artístico acontece”, protesta Lima que pede mais diálogo sobre essas questões. “Tem que começar a discutir o impacto dos carros nas ruas, do consumo de energia e sobre a água. E também tem que discutir o impacto sobre a vida pública”, acrescenta o artista.

Lima defende que não se trata de uma disputa entre dois atores privados, o grupo teatral contra a incorporadora, mas um processo que envolve toda a sociedade. “Nós não somos públicos no sentido de sermos uma organização estatal. Somos um espaço de interesse público. Um espaço comum, de interesse comum, de livre troca. Trocas políticas, de afetos e de construções artísticas”, argumenta.

Nos escombros do que foi o teatro, Luaa faz Marietta ressurgir em um processo lento e doloroso, movimentando os músculos que parecem ter ficado inertes por muito tempo. É assim, entre gemidos, que começa Baderna. Apesar da aparência de sacrifício, a atriz promete repetir o gesto todas as sextas-feiras e sábados, às 21h, e aos domingos, às 20h. “Até a gente ser expulso”, destaca.