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Sexta, 9 de maio de 2025

Em busca da democracia representativa

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Numa democracia representativa, como é o Brasil, o direito de votar para escolha dos governantes, que irão ocupar os cargos do Executivo e do Legislativo, é um dos direitos fundamentais da cidadania. Na impossibilidade de participação direta do povo nas decisões que deverão ser tomadas a respeito de questões da máxima relevância para o interesse público, a escolha de representantes para o desempenho dessas tarefas foi o caminho encontrado para que as opções reflitam a vontade do povo. Mesmo com a criação de mecanismos da democracia participativa, a escolha de representantes continua a ser de fundamental importância, pois são muitas as decisões a serem tomadas todos os dias, sobre os temas mais diversos, não havendo a possibilidade prática de ouvir previamente o povo sobre todas elas, ou mesmo sobre grande número delas. 

Assim, pois, a eleição de representantes é extraordinariamente importante, e por isso é reconhecida e consagrada como um dos direitos fundamentais da cidadania. Mas pelo seu significado e pelas consequências que daí decorrem é correto afirmar que a eleição de representantes tem duplo significado, pois ao mesmo tempo em que é direito fundamental tem também a condição de dever fundamental, pois sem o exercício desse direito pelos cidadãos não se terá a possibilidade de constituir um sistema de governo que seja a expressão da vontade e dos interesses do povo. 

E aqui se coloca uma questão da máxima relevância: como deve proceder o eleitor para escolher um candidato que corresponda à sua vontade, que seja a expressão de suas convicções e de seus anseios em termos de organização política e social, da fixação de regras para definição e garantia dos direitos fundamentais, bem como do estabelecimento das prioridades do governo e da distribuição de benefícios e encargos entre os cidadãos? Uma das soluções adotadas através da história foi a criação de partidos políticos, com programas definidos, que, teoricamente, devem ser fornecedores de orientação aos eleitores, pelo pressuposto de que o candidato inscrito por um partido irá orientar o seu desempenho pelo ideário consagrado no programa partidário. Esse pressuposto foi acolhido pela legislação brasileira, pois no sistema eleitoral vigente no Brasil todos os candidatos a cargo eletivo, tanto do Executivo quanto do Legislativo, devem estar vinculados a um partido político, havendo o pressuposto de que no exercício do mandato irão orientar-se pelo programa do respectivo partido. 

Mas, apesar de se orientar por esse pressuposto, o sistema eleitoral contém uma contradição, pois o Código Eleitoral, que é a lei básica sobre o sistema eleitoral, admite expressamente que para concorrer a cargo tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo, em nível federal, estadual ou municipal, os candidatos sejam inscritos por partidos ou alianças partidárias, não havendo qualquer exigência ou restrição quanto à criação de coligações partidárias. E o que tem ocorrido na prática é que partidos com programas muito diferentes, fixando princípios e diretrizes que às vezes são opostos, celebram alianças e apresentam candidatos comuns. Em consequência, a filiação partidária do candidato não tem qualquer importância para orientação dos eleitores. Agravando ainda mais essa contradição, não existe a exigência de coerência nas alianças para a disputa de cargos no Executivo e no Legislativo nem para os níveis diferentes de disputa. Desse modo, o que tem ocorrido e vem ocorrendo agora é que os partidos celebram uma aliança com outros para a disputa em nível federal, celebrando aliança diferente, às vezes com partidos programaticamente opostos, para os níveis estadual ou municipal. Assim, também, existem alianças entre determinados partidos para cargos no Executivo e com partidos diferentes para a disputa de cargos no Legislativo. 

Por tudo isso e por outros pontos falhos e contraditórios que poderiam ser indicados, a filiação partidária dos candidatos não tem a mínima serventia para orientação do eleitorado. A par disso, existe ainda o problema do grande distanciamento entre os eleitos e os eleitores, pois os candidatos não são vinculados a distritos de menor amplitude, sendo extremamente difícil, às vezes mesmo impossível, para o eleitor fazer a escolha de um candidato tendo em conta seu desempenho no exercício de mandato anterior. Acrescente-se a isso tudo o fato de que muitos eleitores não estão conscientizados de sua importância e de sua responsabilidade no momento de escolher um candidato e externar o seu voto. 

Em consequência de tudo o que acaba de ser exposto, algumas mudanças são absolutamente necessárias para que o sistema representativo brasileiro seja, efetivamente, uma garantia de participação do povo no governo. Um primeiro ponto é a revisão, em profundidade do sistema eleitoral brasileiro, com ênfase no estabelecimento de distritos eleitorais, de modo a dar aos eleitores a possibilidade de terem conhecimento das efetivas características pessoais e dos antecedentes político-sociais dos candidatos. A par disso é necessário e urgente discutir e aperfeiçoar o sistema de partidos políticos e as normas de seu desempenho, para que eles sejam, realmente, a expressão dos compromissos político-sociais dos candidatos, dando-se efetividade à exigência de fidelidade partidária. Com esses e outros aperfeiçoamentos no sistema eleitoral e partidário, a par da valorização dos mecanismos de democracia participativa, o Brasil estará mais próximo de ser, efetivamente e sob todos os pontos de vista, um Estado democrático de direito. 

Dalmo de Abreu Dallari é jurista. - dallari@noos.fr