A discussão da reforma tributária é necessária, mas, neste momento, pode adiar decisões de investimento, postergar a recuperação da economia brasileira e tirar o foco sobre medidas mais urgentes para que o país volte a crescer. A avaliação é de Marcos Ferrari, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento na gestão Michel Temer (MDB).
O economista é autor de um estudo sobre uma agenda de crescimento pós-reforma da Previdência e considera que as discussões sobre o sistema tributário deveriam ficar para daqui dois ou três anos, quando o país tiver voltado a crescer de forma robusta.
Segundo ele, a indefinição sobre qual modelo será adotado gera imprevisibilidade em relação a preços relativos e às melhores opções para alocação de capital.
A existência de ao menos três propostas, uma da Câmara, outra do Senado e uma terceira a ser apresentada pelo governo, torna o cenário mais turvo.
"Existe um 'trade-off' entre reforma tributária e recuperação econômica. No momento, a recuperação é pautada pela necessidade de investimentos. O investidor, empresário, precisa saber qual o modelo tributário para fazer seu plano de negócios. Se fizer essa discussão agora, vai jogar o processo de recuperação um pouco mais para a frente."
Ferrari também discorda da avaliação de que o momento de crise econômica é o cenário ideal para se tratar desse tema e diz que não há consenso no cenário político para votar a questão rapidamente.
"A reforma tributária tem de ser feita, mas o momento econômico é desfavorável. E o político é dúbio, pois temos pelo menos três propostas na mesa e não há uma definição de qual vai ser o caminho", diz.
"Se a reforma da Previdência está demorando quase um ano para ser votada, a tributária vai demorar muito mais. Ela está sendo discutida há mais de 20 anos. O jogo de poder é muito grande. Nesses 20 anos, não foi feita nenhuma mudança tributária relevante. Reformas da Previdência foram várias."
Ferrari afirma que as mudanças propostas no sistema tributário vão melhorar o ambiente de negócios, mas considera que a discussão pode ficar para outro momento e que há outras reformas regulatórias que podem gerar mais valor no curto prazo.
Ele cita a medida provisória da liberdade econômica, proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, os novos marcos legais nas áreas de gás, telecomunicações e saneamento, o projeto de relicitação e mudanças nas regras de venda de terras para estrangeiros.
O economista também destaca as novas regras de saque do FGTS como ações com impacto no curto prazo.
Para ele, governo e Congresso deveriam dar à pauta regulatória o mesmo peso e prioridade com que têm tratado de outras grandes reformas.
"Precisamos de estabilidade monetária, cambial, fiscal e regulatória e jurídica. Só temos as duas primeiras. Se não tiver essas quatro estabilidades concomitantemente, não tem recuperação do investimento."
Além das medidas regulatórias, Ferrari lista como parte da agenda pós-reforma da Previdência garantir o crescimento do mercado de crédito privado para financiar esses investimentos.
Segundo o economista, o mercado de capitais cresceu 35% em junho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. O crédito nos bancos privados avançou 13,4%, e a emissão de debêntures (títulos de dívida privada) incentivadas mais que dobrou em 2018.
"Mas o banco privado só vai entrar se tiver boa regulação e bons projetos. E aí entra o BNDES, que tem a maior expertise em projetos", afirma Ferrari, que foi diretor da área de infraestrutura do banco estatal até o ano passado.
"Existem reformas que podem gerar valor no curto prazo e mais fáceis de serem aprovadas", diz o economista.