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Indústrias acusam governo brasileiro de falta de diálogo no Mercosul

REUTERS/Adriano Machado -
Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto
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A equipe do presidente Jair Bolsonaro vem ignorando sucessivos pedidos da indústria brasileira por mais transparência nas discussões de abertura unilateral da economia. É o que demonstram quatro cartas formais, até agora sigilosas, enviadas pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e pela CEB (Coalizão Empresarial Brasileira) aos ministérios da Economia e das Relações Exteriores.

Nas missivas, o setor privado pede que o governo promova “consultas públicas” sobre a reforma da TEC (Tarifa Externa Comum), conjunto de impostos de importação aplicados pelos membros do Mercosul: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Nenhuma das correspondências havia sido respondida até a publicação desta reportagem. As cartas foram enviadas a diferentes membros do governo entre os meses de maio e outubro deste ano.

Criada em 1994, a TEC sofreu uma série de exceções ao longo do tempo e varia muito conforme o produto. Hoje o imposto de importação mais alto é de 35% e vale, por exemplo, para carros e vestuário.

A pedido do governo Bolsonaro, os países do Mercosul vem discutindo desde o início do ano uma redução das alíquotas de importação com o objetivo de baratear matérias-primas e produtos acabados e aumentar a competitividade da economia.

Segundo uma fonte do setor privado, a reforma da TEC é considerada pelos empresários uma das que mais afeta o dia a dia das empresas, perdendo só para a tributária. Só que não precisa ser aprovada pelo Congresso, bastando um ato do Poder Executivo.

A primeira carta foi enviada no dia 9 de maio pela CNI a Marcos Troyjo, secretário especial de assuntos internacionais do Ministério da Economia. Ele é o homem forte de Paulo Guedes para a abertura da economia.

Nesta missiva, os empresários são cautelosos. Concordam “haver espaço para a revisão da TEC”, mas solicitam “consulta pública”, porque souberam pela “imprensa” que as discussões estão “avançadas”.

No dia 12 de julho, uma segunda correspondência é entregue pela CEB ao chanceler Ernesto Araújo. O documento cita que “gostaria de reforçar o pleito para que o governo promova mais transparência e interação com o setor privado sobre a TEC”.

A medida que as cartas são ignoradas, é possível perceber que o empresariado sobe o tom. Na terceira missiva, também endereçada a Troyjo, de 25 de julho, a CNI anexa todas as cartas anteriores.

E, finalmente, na correspondência enviada no dia 15 de outubro a um alto funcionário do Itamaraty, os brasileiros buscam reforços nos demais países do Mercosul.

A carta é assinada não só pela CNI, mas também por suas congêneres na Argentina, Uruguai e Paraguai. E solicita enfaticamente “maior diálogo e transparência com o setor produtivo e um processo de consulta pública”.

Nos últimos anos, o governo brasileiro vem utilizando duas formas de interlocução com o setor privado nos assuntos de comércio exterior. O primeiro é um diálogo direto por meio de reuniões entre os membros da CEB e altos funcionários.

O segundo é a consulta pública formal, solicitando propostas aos setores —esse último está previsto em uma resolução da Camex (Câmara de Comércio Exterior) e é recomendado pela nova lei de liberdade econômica.

Fontes do governo brasileiro afirmaram, sob anonimato, que se reúnem com frequência com as entidades de classe e disseram que pretendem realizar uma consulta pública sobre a metodologia da revisão da TEC, embora isso não seja obrigatório.

Ressaltaram, todavia, que essa consulta não deve incluir os percentuais das tarifas a serem aplicados porque essa é uma atribuição exclusiva do governo e que só deve ocorrer após as eleições presidenciais na Argentina, marcadas para o fim do mês.

O governo de Maurício Macri vinha contribuindo ativamente para a revisão da TEC, mas é bastante provável que o atual presidente argentino seja derrotado por Alberto Fernández, do partido peronista, agremiação conhecida pelo viés protecionista na política econômica.

Se a vitória da oposição se confirmar, o governo brasileiro pretende manter o diálogo aberto com a Argentina, mas não descarta partir para o que chama de “Mercosul flex”.

Neste hipótese, o bloco continuaria como uma área de livre-comércio, mas perderia o status de união aduaneira, o que, na prática, acabaria com a TEC e permitiria ao Brasil fazer uma abertura da economia sem o consentimento dos demais países do Mercosul.

Consultada pela reportagem, a CNI informou, por meio de nota, que “a indústria acredita na abertura comercial do Brasil, mas que é preciso fazê-la com transparência e ouvindo o setor empresarial, já que qualquer decisão precipitada e sem calcular o impacto na economia real pode atrapalhar a retomada do crescimento”.

Procurados, o Itamaraty e o ministério da Economia preferiram não comentar.

O QUE É A TEC?

Criada em 1994, a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul é o conjunto de impostos de importação cobrados nas aduanas de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai para produtos importados. As alíquotas variam de 0% a 35% dependendo do produto.(Raquel Landim/FolhaPress SNG)