Para Miguel Daoud, sócio da consultoria Global Financial Advisor, de fato existe esta pressão política para jogar a responsabilidade pela valorização do real nas costas do Banco Central. O discurso é que o BC poderia ter reduzido mais a taxa de juro impedindo a alta do dólar. "Responsabilizar o BC pelo câmbio é uma injustiça. O BC é estritamente técnico, ele não gera turbulência, apenas reage a ela", afirma.
Daoud sustenta sua visão indicando que em setembro de 2005, quando o BC começou a reduzir o juro, a taxa de câmbio estava em R$ 2,3 com a Selic em 19,5%. Feito um corte de 6,5 pontos percentuais, ou 33%, a Selic caiu para 13% e a taxa de câmbio recuou para R$ 2,1. "Neste caso não foram os juros que fizeram o real valorizar."
Outro ponto que cai por terra é a alegação de que a oferta de dólares está muito grande. Segundo Daoud, esta afirmação também não se sustenta, pois o BC atuou fortemente na compra. Cerca de US$ 35 bilhões foram comprados pelo BC no ano passado, mais US$ 12 bilhões pelo Tesouro.
Ainda neste ponto, o especialista destaca que esta atuação no BC é danosa para as contas públicas. Para comprar dólar, o banco tem que pegar reais emprestado no mercado, o que resulta em maior custo e tamanho da dívida.
O problema está no fato do governo captar reais a uma taxa de juros de cerca de 13% e investir os dólares comprados a uma taxa de juros de cerca da metade. Há um custo em manter as reservas. A idéia é a seguinte: o governo gasta 10 para comprar dólares, mas recupera apenas 5 ao investir nas reservas. 'É um seguro caro para nós que somos pobres.'
E este aumento de reservas acarreta outra conseqüência. Temos uma taxa de juros muito alta. Na medida que aumentam as reservas, o mercado brasileiro atrai mais investidores porque as reservas aumentam a segurança do investidor, movimento que também contribui para deprimir o câmbio. 'Não é uma situação normal. É o câmbio submarino, pode até flutuar, mas foi feito para afundar', avalia.
Então onde acontece a valorização do Real? A resposta a esta pergunta envolve uma série de variáveis, incluindo a taxa de juros, mas não a atuação do BC. Segundo Daoud, a valorização é reflexo de operações de arbitragem, que são possíveis graças a forte liquidez mundial, juros baixos em outros mercados e também à taxa de juros elevada no Brasil. 'Esta situação conta única e exclusivamente com fatores fora do nosso controle, que é a economia internacional.'
Segundo Daoud, o investidor capta dinheiro emprestado no Japão, por exemplo, onde o juro é de 0,25% ao ano (movimento mais favorecido pela desvalorização do iene frente ao dólar). O investidor pega este dinheiro, aplica nos Estados Unidos, usas estas aplicações como forma de garantia e faz operações contra o Real. Ao vender o dólar contra o Real ele ganha a diferença na taxa de juros e este movimento pressiona a cotação do dólar.
São operações de compra e venda sem entrega física, realizadas na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e no mercado de balcão (entre os bancos). A diferença é que na BM&F os investidores são cadastrados, o que dá transparência às operações, e também contribuem para a formação de preços.
Agora, o que faria o Real se valorizar? 'O governo ter um programa de redução de gastos. Com isso, ele precisaria de menos dinheiro para pagar dívida, aumentaria o crédito e cortaria impostos. Aí sim o BC poderia arrojar mais a queda da taxa de juros', afirma.
Mas como não temos uma sinalização de redução das despesas ou realização de reformas estruturais, o investidor tem a garantia de juros sempre atraentes para este tipo de operação e continua arbitrando.
Daoud ressalta que a taxa de juros representa as deficiências estruturais do País e a maior delas seria a alta carga tributária, resultado de uma despesa muito elevada. 'O BC abre e fecha o guarda-chuva conforme a intensidade da chuva, que é determinada pelas deficiências do País. O BC é estritamente técnico. Se o governo vai gastar mais, sinaliza que vai ter mais chuva.'
O lado positivo do real valorizado é a contribuição positiva para a inflação, mas a um custo muito elevado: a desindustrialização do Brasil, com as empresas indo para outros países mais competitivos, como a China e até mesmo a Argentina, já que apresentam uma taxa de câmbio mais favorável e um ambiente mais amigável aos negócios. 'Temos a desindustrialização do País em troca de um plano de governo com visão de curto prazo.'
Segundo Daoud, é como se o Brasil estivesse disputando uma corrida de mil metros, onde nossos competidores já saíssem 300 metros à frente logo na largada. 'Nossa moeda está valorizada, eles têm vantagem sobre nós. Além disso, os atletas brasileiros estão pesados com carga tributária e juros altos. Então esta competição sempre será ganha por outros competidores. Isso não é normal.'
(Eduardo Campos - InvestNews)