Adriana Diniz, Jornal do Brasil
RIO - Com experiência na vida pública e no setor privado de quem passou por 11 presidentes, Marcílio Marques Moreira, aos 76 anos, ministro da fazenda no governo Collor, afirma que o Brasil não sai vitorioso da crise financeira internacional, porque não aproveitou o período de prosperidade que antecedeu o cenário crítico. Embora acredite na estabilidade financeira do país, Moreira diz que o Brasil pode ir muito mais além, mas continua pecando por constantes retrocessos como a tentativa do governo de engordar as estatais, o que para ele ameaça a política de livre comércio, o pilar da economia brasileira hoje. Tem sido uma característica nossa: a complacência, o conformismo.
O Brasil está preparado para o mundo pós-crise?
A resposta é sim e não. Sim, porque nós, nos últimos 20 anos, fizemos avanços importantes institucionais, que tiveram efeito cumulativo e que, inclusive nessa última rodada de crise, se mostrou um arcabouço bastante sólido. Não, porque o governo, a própria sociedade, o empresariado, se concentrou em superar uma crise pontual, embora das mais profundas, mas não tem mostrado, inclusive no debate eleitoral em curso, a capacidade de ter uma visão de futuro realmente moderna, realmente tempestiva. Eu acho que estamos ao largo de mutações tectônicas no mundo. Aquilo que tem sido uma característica nossa: a complacência, o conformismo com o que está aí, mas não uma concentração.
E a política do governo de engordar as estatais?
Infelizmente, há sim uma convicção que acho inteiramente equivocada de que um estado gordo, balofo, seja um estado forte. Defendo um estado forte, mas acho que, para ser forte ele tem que ser esbelto, tem que ter massa muscular, não tem que ter gordura. É a mesma coisa que um corpo humano. Essa engorda artificial, com muitas pessoas trabalhando, mas sem um devido respeito ao mérito, acho extremamente contraproducente, ter um estado engordado com nomeações políticas para cargos profissionais. As agencias reguladoras, em vez de ter em seu quadro pessoas altamente competente e de integridade, estão sendo loteadas por partidos. Não é uma gestão eficiente, eficaz.
E a reativação da Telebrás para a banda larga?
Não pode dar certo, porque essa rede que seria utilizada não seria uma banda larga comum. Em termos de banda larga, acho que seria necessária uma melhor fiscalização. Todos nós que usamos a banda larga vemos que é muito ineficiente. Como achar que o estado vai ser mais eficiente? Temos a lembrança muito viva do que significa uma estatal no setor de telecomunicações. Tentar reescrever a história, como Marx dizia, não é uma coisa fecunda.
O Brasil pode abandonar a política de livre mercado?
Acho que seria um grande retrocesso, porque uma política autárquica, protecionista é muito contrária ao consumidor. O governo atual até tem uma preocupação com o consumo doméstico, mas um automóvel no Brasil ainda custa o dobro que nos Estados Unidos, e muitos produtos e serviços têm preços exorbitantes. Me preocupa um pouco essa quase obsessão de ter grandes empresas com características monopolistas. Na própria Petrobras, foi a competição que levou a descobertas importantes, inclusive do pré-sal. E agora, essa legislação, não é só a divisão dos royalties, que é inteiramente um contrassenso, uma quebra de contrato, do Estado de Direito, mas toda a legislação do pré-sal é desnecessária, contraproducente e ineficaz.
O controle do estado teve efeito positivo durante a crise, com medidas como as desonerações. Até que ponto isso é benéfico?
Em termos de contraponto, estado/mercado, o que funciona é uma sinergia entre um e outro. Em épocas de crise, o governo deve exercer uma política contracíclica, como também deveria ter exercido na época da produtividade. Nós não aproveitamos os cinco, seis anos de prosperidade inédita, talvez na história do mundo. Tivemos um crescimento bem abaixo da média mundial, sem falar nos países emergentes. Não nos beneficiamos do que poderia ter feito nesses anos de prosperidade absolutamente inédita.
O que acha do projeto de maior regulação do sistema financeiro americano?
O caminho é esse mesmo. Foi o próprio Estado que se omitiu na sua função reguladora, fiscalizadora. Talvez até porque a iniciativa privada, em geral, é mais rápida que o Estado em acompanhar as coisas. Aquele não é um liberalismo econômico, mas uma libertinagem. Isso sim morreu. Nos EUA, havia uma multiplicação de agentes reguladores, estaduais, federais. Então, colocar isso em ordem, incluir o sistema bancário paralelo, bancos de investimentos, fundos de hedge, os money market, acho que é muito importante.
A atual regulação e fiscalização dos bancos brasileiros são satisfatórias?
Acho que temos uma regulação muito mais consistente, desde a lei que criou o Banco Central, depois tivemos um saneamento grande do sistema privado e, sobretudo, do sistema público. Nossa regulação hoje é bastante eficiente. É preciso encontrar uma maneira de diminuir os spreads. Essa cunha fiscal é muito grande. Se onera as transações financeiras de forma demasiada afeta o consumidor. É um problema de equilibrar, balancear a carga tributária, compulsórios, outras exigências de direção do crédito e exigir maior eficiência do sistema financeiro.
Quais seriam os impactos da retaliação do Brasil em relação a propriedade intelectual dos Estados Unidos?
Estamos numa sociedade do conhecimento, de modo que tentar infringir o direito, por exemplo, de um escritor, cobrar o seu direito autoral sobre sua obra, por causa de uma disputa sobre algodão, acho inteiramente descabido. Seria uma diminuição de investimentos, não só dos EUA, mas de outros países. Investimentos em que o fator conhecimento, que é hoje o principal fator de produtividade, tem um papel importante. Além de ser inconstitucional e ilegal do ponto de vista da legislação brasileira.
Qual foi a importância das privatizações conduzidas pelo governo Collor?
Foram muito importantes, porque acabaram com os elefantes, as empresas estatais balofas, muitas vezes falidas. A Companhia Siderúrgica Nacional é um exemplo. Houve todo um conjunto que vai da privatização à abertura comercial, à liberdade de preço, o foco em qualidade e produtividade. No setor de automóveis, passamos a ter carros razoáveis. Na telefonia, apareceu o celular, começou o processo de preparar a privatização da Telebrás, da Embraer também. Foi um governo que acabou de forma tumultuada, mas que realmente marcou uma abertura do país ao mundo e à modernidade.
Quais foram os erros e acertos do Plano Collor, que na semana passada completou 20 anos?
O grande acerto foi a ênfase que deu ao fim da inflação. Não foi totalmente exitosa, mas no mês antes de Collor assumiu, a inflação tinha chegado a 85% ao mês, já pode ser chamada uma hiperinflação. Quando o governo terminou estava em 20%, é uma diferença enorme, e tinha sido mantida nesse patamar por 12 meses. Havia equilíbrio fiscal e monetário. Outro ponto foi a acumulação de reservas. Quando o governo iniciou, as reservas eram zero, e passaram para quase US$ 25 bilhões.
Quais os riscos de o próximo governo adotar medidas pouco convencionais?
Um país que não tem moeda sólida é um país fiscalmente muito frágil, vulnerável. A estabilidade não é algo que se compre, é algo que se aluga, portanto tem que se pagar mês a mês. A sociedade hoje dá grande valor a essa estabilidade. As soluções heterodoxas, aquelas verdadeiras pajelanças, do cruzado até o plano Collor, estão superadas.