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Thiago de Mello: homenageado pelo Jabuti, poeta ganha dossiê e filme

Marcicley Reggo/ Divulgação -
Thiago de Mello
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Aos 92 anos de idade, o poeta Thiago de Mello receberá hoje o Prêmio Jabuti de Personalidade Literária pelo conjunto de sua obra, dedicada a três causas: a integração cultural da América Latina, os direitos humanos e a preservação da Floresta Amazônica.Ao todo, são 75 livros publicados no Brasil e no exterior. O poema “Os Estatutos do Homem” está traduzido para mais de 30 idiomas e escrito no mural da sede das Organizações das Nações Unidas (ONU). Para o espanhol, a tradução foi feita por Pablo Neruda e para o inglês, por Sergio Bath,Entre outras consagrações, Thiago de Mello ganhou o Jabuti de Poesia em 1997 e, em 1999, com os livros “De uma vez por todas” (Editora Civilização Brasileira, 1996), e “Campo de milagres” (Bertrand Brasil, 1998), e foi finalista da premiação paulista em 2014 com “Acerto de contas” (Global, 2013).

Macaque in the trees
Thiago de Mello (Foto: Marcicley Reggo/ Divulgação)

Este ano, o autor do clássico “Faz escuro mas eu canto”, ainda haverá de ganhar um imenso presente de sua filha, Isabella Thiago de Mello, um trabalho de 888 páginas sobre a vida e a obra, denominado “Dossiê Thiago de Mello”, que já se encontra no prelo e será publicado pela editora Projetos Especiais. Além disso, a pedido de Lucy e Luiz Carlos Barreto, Isabella fez um roteiro sobre o pai chamado “Poeta da Floresta”. A narrativa vai desde o nascimento no interior da Floresta Amazônica até as voltas pelo redor do mundo e servirá de base para a criação de um novo filme ou documentário.

O dossiê, que é dedicado aos Barretos, é muito completo. Como ajudou a organizá-lo, Thiago de Mello também o assina, ao lado da filha. Contém as capas de todos os livros de poesia e prosa, com notas explicativas, e das traduções, servindo como uma biografia ilustrada; uma seleção de poemas e crônicas; matérias jornalísticas que fez como repórter; matérias sobre o poeta e sua vida; a fortuna crítica; um caderno de fotos, seleção de diplomas e honrarias. A pesquisadora debruçou-se sobre este material ao longo de quatro anos, levantando dados e informações na Fundação Biblioteca Nacional e no acervo Thiago de Mello da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Além de acervos particulares de Pomona Politis e do próprio pai.

Na entrevista abaixo, Isabella fala um pouco sobre causos do pai, sua vida e sua obra:

JORNAL DO BRASIL - Quando Thiago de Mello descobriu que era poeta?

Isabella Thiago de Mello – Aos 12 anos de idade, quando escreveu no caderno: “Vi o meu amigo morrer/afundando no perau/o que vai acontecer?”. A professora dona Aurélia, que o chamava do “menino do verbo ser”, disse que ele estava fazendo poesia.

De fato, aos nove anos de idade, já tinha lido poemas de Casimiro de Abreu, já era capaz de ouvir “as estrelas” do Bilac, e, quando entrou no ginásio, no Pedro II de Manaus, já sabia de memória o soneto “Carolina”, de Machado de Assis, que acha um dos mais lindos da língua portuguesa. Lia Manuel Bandeira, Drummond. “Essa nega fulô”, de Jorge de Lima, é um dos seus poemas prediletos. Segundo conta, quando veio para o Rio, aos 15 anos, sozinho, no navio do Lloyd, para estudar Medicina, já sabia que o homem era capaz de criar a beleza. Sabia também que a vida humana, neste lugar chamado Terra, era marcada por terríveis desigualdades sociais. E estava ciente de que o amor era possível e que uma das mais belas formas de amor é a amizade.

Existe uma história dele com Drummond, não? quando era residente de Medicina...

Ainda bem que você me perguntou isso. É um erro dizer que meu pai abandonou o curso de Medicina para ser poeta. Quando meu pai procurou Drummond, ele já estava no quinto ano da Faculdade de Medicina da UFRJ, fazendo residência médica no Hospital de Manguinhos. Foi ao nono andar do Palácio Gustavo Capanema, onde era o Ministério da Cultura, apresentou-se, querendo mostrar ao poeta já consagrado seu caderno de poesia. Drummond foi logo dizendo que o rapaz amazonense não deveria abandonar a carreira de médico, porque ninguém vivia de direitos autorais no Brasil. E observou: “Veja, eu mesmo sou um funcionário público”. Mas, para grande surpresa do jovem, após a leitura do caderno, Drummond diria que ele havia nascido com “a tara”, ou seja, era poeta. Pediu para ficar com o caderno. Por intermédio do autor de “Claro enigma”, os poemas passariam a ser publicados no “Correio da Manhã”. E meu pai seria convidado pelo editor deste jornal para ser repórter, redator e cronista. Seguiria então a carreira de jornalista atuando em diversos jornais.

Macaque in the trees
Thiago de Melo (Foto: Fernando Fiuza)

Quando foi editado o primeiro livro?

Em 1951, o mesmo ano em que entrou para o “Correio da Manhã”. O livro de estreia, “Silêncio e palavra”, foi editado pela Hipocampo e aplaudido por críticos como José Lins do Rego, SérgioBuarque de Holanda, Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt, Sérgio Milliet e Olívio Montenegro.No ano seguinte, os aplausos de público e de crítica se seguiriam após o lançamento de “Narciso cego”, já pela editora José Olympio, que passaria a publicar Thiago por toda a década de 1950, com destaque para a “Lenda da rosa” (1955, na coleção Rubaiyat), até o “Vento geral”, no início da década de 1960, quando aceitaria o convite do chanceler Negrão de Lima para ser adido cultural do Brasil na Bolívia e no Chile.

Macaque in the trees
Livro de poemas de 1965 (Foto: Divulgação)

Foi como adido cultural no Chile que conheceu Neruda?

Quem apresentou Neruda a meu pai foi Jorge Amado, na noite de lançamento do “Vento geral” no Rio de Janeiro, em 1960. “Vento geral” era uma reunião dos seus sete livros de poesia editados de 1951 a 1959. Papai adora contar essa história: “Veja quem eu trouxe para a tua festa”. Depois do lançamento foram jantar os seis: Thiago de Mello, Pablo Neruda, Jorge Amado, Di Cavalcanti, Irineu Garcia e Paulo Mendes Campos. No dia seguinte, papai retornou para La Paz, onde trabalhava como adido cultural. E Jorge Amado e Neruda partiram para a França. No ano seguinte, 1961, ele e Neruda passaram a ser como irmãos. O poeta chileno cedeu a casa dele em La Chascona (hoje museu) para meu pai morar. E passaram a trabalhar juntos. Meu pai traduziu a “Antologia poética” de Neruda, editada pelas Letras & Artes, em 1963.

*Jornalista e escritora