Prefeitura de Berlim compra apartamentos privados para ajudar a baixar preços de aluguel

Por RAFAEL BALAGO

Apartamentos em Berlim

Quem olha para as janelas de Berlim em busca de avisos de aluga-se pode acabar encontrando outra coisa: placas de protesto contra a alta do preço dos aluguéis.

Muitos destes cartazes expostos fazem críticas às corporações imobiliárias da Alemanha. São empresas que possuem milhares de casas. A maior delas, a Deutsche Wohnen, administra 116 mil unidades em Berlim e virou um dos alvos principais dos protestos, que saíram das janelas e foram para as ruas.

Manifestantes pedem que o governo estatize essas corporações e se torne o dono dos imóveis alugados. Há uma ação de coleta de assinaturas para pedir um referendo sobre a questão habitacional.

Um condomínio virou símbolo dessa campanha. Um conjunto de 670 apartamento estava na mira da Deustche Wohnen, mas moradores se revoltaram com a ideia da compra. Eles temiam que a chegada da empresa levasse à alta de preços na região.

Após semanas de protestos e processos na Justiça, no fim de julho a prefeitura de Berlim decidiu adquirir o condomínio, construído na década de 1950 na avenida Karl Marx. A estatização fez lembrar os tempos do socialismo, quando o governo possuía as casas dos moradores de Berlim Oriental --curiosamente, a Karl-Mark-Allee ficava na porção leste da cidade dividida pelo muro.

"Os berlinenses devem continuar podendo ser capazes de arcar com o custo de vida na cidade", disse Michael Müller, prefeito de Berlim.

"Essa é a causa da nossa intenção de comprar apartamentos onde pudermos. Assim a cidade pode retomar o controle de seu mercado de propriedades", completou.

A BBU, entidade que reúne as empresas imobiliárias, classificou a campanha pela estatização das habitações como "propaganda populista barata que não ajuda a construir novos apartamentos" e que a medida "vai contra a constituição alemã e será impossível de financiar". 

Outra medida tomada pela prefeitura foi congelar o preço dos aluguéis por cinco anos, com multas de até 500 mil euros (R$ 2,1 milhões) em caso de descumprimento, a partir de janeiro de 2020. Apartamentos que forem construídos depois dessa data e lojas no térreo ficam fora da regra.

Os manifestantes também pedem que haja mais limites para a atividade dessas empresas imobiliárias, que são acusadas de práticas desleais, como reformar prédios antigos só para aumentar o aluguel e fazer reajustes irregulares.

"A lei determina que um contrato novo deve ter valor próximo ao que o antigo inquilino pagava, mas se a pessoa não conhece quem morava ali antes, tem dificuldade para saber o valor correto", comenta Bruno Santiago, 29, estudante de mestrado que se mudou para Berlim em 2018.

Santiago teve dificuldade para encontrar uma casa. "Demora para encontrar apartamento vago, e quando se acha, os preços são absurdos. Quinhentos euros [R$ 2.150] por um quarto é considerado um valor razoável, mas há quartos por mil euros [R$ 4.300]", diz.

Na Alemanha, alugar é bastante comum. Cerca de 50% das pessoas vivem em casas próprias (no Brasil, são 72%). A situação vem desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando houve um boom de construção para repor os imóveis destruídos, mas poucas pessoas tinham condições para assumir financiamentos. 

Assim, a saída foi alugar. Como os valores, regulados por leis, historicamente subiam pouco, a prática foi mantida com o passar do tempo.

Nos últimos anos, o aquecimento da economia alemã, a mais forte da Europa, elevou o número de empregos, mas a oferta de residências em cidades como Berlim não aumentou na mesma velocidade, o que inflacionou os aluguéis. 

O preço médio do aluguel em Berlim quase dobrou em dez anos: passou de 5,60 euros/m² em 2008 para 11,40 euros/m² em 2018, segundo o site de anúncios Immowelt.

A situação, que se repete em outros países da Europa e nos Estados Unidos, é o temor de que moradores com altos salários tomem o lugar de pessoas de classe média e baixa, que precisarão buscar áreas mais baratas para morar.

Em junho, Nova York aprovou regras que restringem o percentual de aumento de aluguéis e aumentam a proteção aos inquilinos. No entanto, proprietários questionam a mudança das regras na Justiça e o caso pode chegar à Suprema Corte.

Em julho, Portugal lançou um programa para recuperar imóveis estatais ociosos e alugá-los como moradias. "Identificamos que uma parte considerável da população de classe média começou a ter graves dificuldades no acesso à habitação e queremos dar resposta", disse Pedro Nuno Santos, ministro da Habitação, em entrevista coletiva.

Especialistas divergem sobre se o governo deve ou não intervir nesse mercado. Alguns defendem que é preciso agir de modo mais incisivo para equilibrar a disputa entre inquilinos e locatários, para que as pessoas não fiquem sem ter onde morar.

"As casas devem primeiro servir como moradia para as pessoas, e não como investimento", diz Carlos Leite, professor de urbanismo do Mackenzie. "Regulações precisam ser aplicadas, e podem ajudar a diminuir distorções a curto e médio prazo. A questão é a dosagem do remédio."

Já outros dizem que não cabe ao Estado intervir, pois se trata de um negócio privado, e que forçar preços baixos pode fazer com que menos gente queira alugar. Isso levaria à queda na oferta e, consequentemente, novos aumentos. 

"Não é papel da prefeitura comprar e colocar prédios para alugar. Não é a expertise dela, então pode haver desvios de função", diz Alberto Ajzental, coordenador do curso de desenvolvimento em negócios imobiliários da FGV. "E comprar imóvel é deixar dinheiro público parado, algo que o governo não deve fazer."

Outras soluções são dar incentivos fiscais para a construção de residências e melhorar a oferta de transporte em áreas mais afastadas, de modo a criar mais regiões atraentes para morar, além de aumentar impostos sobre imóveis ociosos. 

O aluguel de casas pelo governo pode também ser uma forma para facilitar o acesso de pessoas pobres a moradia. A chamada locação social permite ao Estado atender famílias que não têm condição de assumir um financiamento longo, ou que possuem alto risco de inadimplência. 

Outra vantagem é que o imóvel continua sob poder do governo: se o beneficiado não precisar ou não quiser mais morar ali, outra pessoa pode ser atendida. 

No Brasil, há testes do modelo sendo feitos em São Paulo e Porto Alegre para atender moradores de rua. As prefeituras alugaram casas para abrigá-los, e cobram um valor mensal simbólico. Os governos afirmam que isso custa menos do que manter vagas em abrigos públicos.