Portugal entrou em estado de emergência nessa segunda-feira (9) para tentar frear uma nova onda de covid-19, e o governo adotou medidas de restrição de circulação. Uma delas, que limita a circulação nos fins de semana, já causa impactos em setores como alimentação e comércio.
De acordo com as medidas apresentadas por António Costa, primeiro-ministro português, está proibida a circulação na via pública entre as 23h e as 5h em dias de semana, e a partir das 13h de sábado até as 5h de segunda-feira. A medida aplica-se aos municípios com risco elevado de transmissão da covid-19, que representam 70% da população residente e incluem as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Aprovada em Conselho de Ministros extraordinário, a medida prevê exceções como deslocamentos para o trabalho, regresso ao domicílio e situações de emergência. Durante entrevista coletiva, António Costa reconheceu que os setores de alimentação e comércio estão entre os que serão mais prejudicados.
"É duro, perturba muito a nossa vida. Tem custos econômicos muito grandes. As alternativas não são muitas. Entre ter o confinamento durante a semana ou fim de semana, é difícil de escolher. Temos que escolher qual é o mal menor", disse o primeiro-ministro.
Nessa segunda-feira (9), houve protesto de proprietários de restaurantes e de trabalhadores de estabelecimentos alimentícios pelas ruas do Porto. A principal reclamação é em relação aos impactos econômicos provocados sobretudo pelo funcionamento reduzido durante os dois próximos fins de semana. Na prática, nem o almoço de sábado está garantido, já que a restrição de circulação começa a partir das 13h.
Dono de restaurante no Porto demitiu metade da equipe e teme fechar até fim do ano
As medidas já afetam empresários brasileiros, como o carioca Rafael Costa, dono do tradicional restaurante Essência, um dos primeiros vegetarianos do Porto, aberto há 12 anos. A casa, que já funcionou com 18 funcionários, viu seu quadro ser reduzido à metade durante a pandemia e vai sofrer nova redução de pessoal com as medidas. Costa teme ter que fechar o estabelecimento até o fim do ano.
"Tive que reduzir 40% da equipe em outubro. E, para esta semana, terei que reduzir ainda mais, pois teremos que diminuir o horário aberto. Mas, no caso, tenho a possibilidade de colocar alguns em layoff (férias) com redução de 40% do horário. Há pouquíssimos clientes, e ainda um movimento muito baixo de delivery. Provavelmente, não será possível chegar ao fim do ano aberto", lamenta Costa em entrevista à agência de notícias Sputnik Brasil.
Segundo ele, a situação atual do setor de alimentação precisa ser analisada dentro de um contexto que inclui os nove últimos meses. Costa conta que, na primeira onda da pandemia, as empresas que apresentavam saúde econômica foram extremamente afetadas pelas medidas tomadas pelo governo e enfrentaram dificuldades para conseguir algum apoio dos bancos e, com isso, contrair uma dívida a ser paga em 2021.
"Junte a isso portas fechadas, funcionários em layoff [com participação das empresas], e demanda de delivery insustentável [para as que conseguiram fazer]. Na retomada no fim de maio, as empresas que conseguiram reabrir não tiveram uma demanda suficiente de imediato e, para voltar a funcionar, tiraram alguns dos funcionários do layoff e assumiram em 100% a massa salarial, mas com uma produtividade ainda muito tímida em junho. Note que, junto de toda essa problemática, ainda havia os impostos que foram pagos parcelados, pois não foram perdoados ou reduzidos", detalha.
Costa faz a ressalva de que, entre julho e setembro, houve um reaquecimento do setor por conta de alguns fatores como verão, voos parcialmente liberados, medidas restritivas afrouxadas e maior confiança da população. Contudo, a partir da segunda quinzena de outubro, após o anúncio do estado de calamidade devido ao aumento significativo dos casos de covid-19, a situação econômica também se agravou novamente: os clientes deixaram de frequentar, e as reservas caíram significativamente e, por muitas vezes, foram canceladas.
"Sem qualquer sinalização imediata de apoio do Estado, chegamos a novembro com este cenário catastrófico em que o setor se encontra. Com muitos restaurantes encerrados, milhares de postos de trabalho perdidos e nenhuma luz de esperança de salvamento para as empresas do setor. Com as últimas medidas que serão adotadas no estado de emergência, posso com segurança afirmar que veremos a maior onda de insolvência desde o início da pandemia, como também o maior índice de desemprego de muitos anos. O Estado está literalmente a deixar a restauração [bem como outros setores] a arder", conclui Costa.
Economista traça prognóstico desanimador para os setores de varejo e alimentação
Uma pesquisa da Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) sobre a sustentabilidade dos setores de comércio varejista e de alimentação aponta que 72% das empresas associadas já tiveram necessidade de aumentar o endividamento bancário em decorrência dos prejuízos. Além disso, metade das empresas apresentou quedas nas vendas superiores a 50% no período entre 15 de março e 31 de outubro, e 95% registram quebras superiores a 25%. A pedido da Sputnik Brasil, Eduardo Fortes e Pedro Cavalcanti, que fazem doutorado em Economia na Universidade de Lisboa, analisaram o cenário e traçaram um prognóstico desanimador para os setores.
"Os setores de comércio varejista e de alimentação foram afetados na primeira vaga de 2020 e voltam a sofrer na segunda onda deste ano com as restrições para conter o avanço da covid-19. Sensíveis aos movimentos do turismo, registraram reduções expressivas pela diminuição do turismo internacional e agora enfrentam as restrições internas com o próprio turismo interno. Os dados fornecidos pela AMRR ressaltam o peso dos lojistas em suportar boa parte da carga dos custos na pandemia. Diante desse cenário, não haverá vencedores. As estimativas para fechar 2020 são negativas. Tanto gestores de shoppings, donos de lojas e lojistas são elos da mesma cadeia e provavelmente precisam de um ajuste simultâneo. A participação do Estado nesses momentos de ruptura é imprescindível para coordenar e impulsionar a economia. O reflexo negativo do investimento trará impactos de mais longo termo", avalia o economista Eduardo Fortes, que também é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
O casal de cariocas Ugo Bampi e Fabiana Moulin tem um restaurante com duas unidades em Lisboa. Eles abriram a primeira em 2017 e a segunda em março de 2019 devido ao grande sucesso da marca The Food For Real. Um ano depois, precisaram fechar a primeira por 45 dias em virtude da pandemia. Mesmo projetando um cenário difícil pela frente com o novo estado de emergência, Bampi acredita que as medidas de restrição de circulação são necessárias para tentar conter a segunda onda de crescimento de casos de covid-19.
"O governo está fazendo de tudo para não fazer lockdown, tentando umas medidas antes para não fechar da mesma forma como foi um tempo atrás. Porque, se isso acontecer, muita gente vai quebrar, e a Segurança Social não vai ter cofre para bancar. Aí quebra o país todo. Está faltando um pouco mais de apoio para os pequenos empreendedores, para nós que somos pequenos. Ainda estamos com as duas lojas e na guerra. Pouco a pouco, estamos recuperando. Esse ano é sobreviver. Estamos em uma apneia pelo menos até fevereiro do ano que vem, pagando conta, fazendo a roda girar para tentar sobreviver", conta Bampi.
Ele explica que, como o restaurante só abre para almoço, a equipe é menor, o que ajuda neste momento de crise. Ainda assim, ele estima ter uma queda de 15% a 20% na receita, já que não poderá mais promover o brunch aos sábados:
"No fim de semana agora a gente perde, porque a gente fazia brunch aos sábados em uma das lojas. É um faturamento perdido. A segunda unidade é também a nossa área de produção. Antes, alugávamos uma cozinha, agora temos o próprio lugar para produzir. Não podemos reclamar."
Dono do Café da Gema, também em Lisboa, o carioca Gabriel Petrone abriu seu estabelecimento em 1º de junho, no meio da pandemia, e ainda está confuso com as medidas restritivas anunciadas pelo governo. Com dois ajudantes em part time, ele fará um teste no próximo sábado para ver se vale a pena abrir o café das 09h00 às 12h30. Normalmente, ele fecha às 17h00 aos sábados. Famoso no bairro de Campo de Ourique por vender coxinhas, pães de queijo, açaí, cupuaçu e outras iguarias brasileiras, Petrone teme que as pessoas fiquem mais receosas de sair de casa.
"Ainda não entendi perfeitamente as medidas. Cada pessoa diz uma coisa. No sábado, me atrapalha bastante, porque é um dia importante de faturamento. Apesar de o horário ser reduzido, há sábados em que faturo mais do que em dias de semana, quando fico aberto 12 horas por dia. Se as pessoas não podem circular a partir das 13h00, quem mora perto vai sair daqui às 12h30 na melhor das hipóteses. Fechando sábado, vou ter um impacto considerável no faturamento", diz Petrone.
Conforme relatório divulgado nesta segunda-feira (9) pela Direção-Geral da Saúde (DGS), o país registrou 4.096 novos casos de covid-19, com 63 mortes (novo recorde diário). Agora, são 2.959 óbitos e 183.420 pessoas infectadas pelo novo coronavírus.(com agência Sputnik Brasil)