ASSINE
search button

Manifestações, com motivações diferentes, agitam a Espanha e o Brasil

Sociólogo analisa os dois movimentos e aponta suas diferenças 

Compartilhar

Católicos, latinos e por muito tempo coadjuvantes na economia mundial, Brasil e Espanha são países que acumulam semelhanças. A mais atual delas é insatisfação dos trabalhadores com seus respectivos governos. Aqui, servidores federais de diversas esferas estão paralisados desde maio. Lá, sindicalistas se reuniram para saquear supermercados Écija, na região de Sevilha, como reportou o jornal The Wall Street Journal (WST).

As motivações para as ações são "completamente diferentes, devido a momentos econômicos quase que opostos", afirma o sociólogo Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Mergulhada em uma profunda crise e enfrentando altas taxas de desemprego - que chega a 50% entre os jovens - os espanhóis estão inconformados com a forma que o governo vem lidando com a crise, afirma. "Estão cortando gastos sociais, com demissões, elevações de impostos e austeridade, o que opõe a classe trabalhadora ao governo".

Este é o sentimento dos grevistas, como mostrou José Cabellero, do Sindicato dos Trabalhadores da Andaluzia (SAT), na reportagem do WSJ, reproduzida no Brasil pelo jornal Valor Econômico. "O governo está obrigando as pessoas mais necessitadas a pagar pela crise, ao mesmo tempo que dá carta branca para os banqueiros e alguns políticos". 

Diante de uma proposta de corte orçamentário que deverá chegar a 100 milhões de euros, o SAT afirmou à reportagem que vai promover mais "expropriações" de alimentos para chamar atenção do governo, além de reivindicar um programa de renda mínima para, pelo menos, um integrante de cada família. Algo semelhante aos nossos programas como o Bolsa Família.

No Brasil, a situação é bem diferente, afirma Gonçalves. O momento econômico favorável, em que o país não tem sofrido grandes distúrbios mesmo com o agravamento da situação internacional, mostra como as motivações são diversas. "O Brasil não está em crise, sofremos um pouco com o cenário internacional, mas ainda registramos crescimento, não há um sentimento de revolta, como em diversos países da Europa", analisa.

As greves aqui começaram com as paralisações nas universidades federais, sem que o governo desse pronta resposta. Com a paralisia das autoridades, outros segmentos do funcionalismo público aderiram ao movimento que hoje inclui policiais, médicos, fiscais da Anvisa, auditores da Receita, servidores do Ibama, do Incra, técnicos da Agricultura, do ministério do Planejamento e do IBGE, entre outros. São aproximadamente 400 mil funcionários de braços cruzados na contabilidade dos líderes sindicais, número contestado pelo governo.

"Aqui, as reivindicações são basicamente por melhorias e ajustes salariais e de funcionários federais, que gozam de uma estabilidade e segurança, o que permite essa movimentação. O clima não é de derrubada do governo", analisa Gonçalves. "O desconforto (da população) com a paralisação dos serviços é a consequência das greves aqui", opina. Ou seja, as queixas dos cidadãos podem se voltar tanto contra o governo como contra os servidores

Na Espanha, o desconforto social com a crise deverá aumentar ainda mais a insatisfação. "Eu estimo que esses movimentos continuarão e até devem se agravar. Mas não vejo esses movimentos desaguando em alguma mudança politica. São movimentos de resistência, de inconformismo, mas que não deverão mudar em nada a forma com que o governo lida com a crise", analisa o sociólogo.

Sindicatos fragilizados

O especialista lembra que, no Brasil, sendo a a grande maioria dos grevistas funcionários públicos, evidencia a atual fragilidade do sindicatos de trabalhadores em empresas privadas. "Não existem mais aqueles grandes sindicatos como nos anos 80 no ABC paulista. A automação do trabalho e a rotatividade dos trabalhadores determinou uma acentuada redução dos papéis dos sindicatos como atores políticos no quadro nacional", opina.

Em relação à posição do governo, Gonçalves acredita que é preciso diferenciar os setores que realmente precisam de reajuste de aqueles que aderiram ao movimento exclusivamente para melhorar os salários, mesmo já ganhando de acordo com o mercado. 

"Há diferenças entre as categorias, e isso não pode ser ignorado. Há categorias que indiscutivelmente merecem ter a situação examinadas. Cabe ao governo agir politicamente no sentido de distinguir o que é justo e o que não é. Mas enquanto isso, as pessoas que dependem do serviço público são prejudicadas", conclui.