Após quatro décadas de atentados, sequestros e extorsões, a organização separatista basca ETA anunciou nesta quarta-feira (2) por carta que "dissolveu completamente todas as suas estruturas" e advertiu que continuará confrontando politicamente o Estado espanhol e francês.
A organização, que em 2011 renunciou definitivamente à violência esgotada pelas ações policiais na Espanha e na França, anunciou seu desarmamento há um ano, em uma carta datada em 16 de abril e difundida por vários veículos de comunicação.
Antecipa, assim, o conteúdo de um vídeo que deverá ser divulgado na quinta-feira pela BBC e que será o anúncio definitivo.
A dissolução significará o desaparecimento da última insurreição armada da Europa Ocidental, mas deixa pendências, como a situação de seus cerca de 300 presos dispersos por ambos os países e as associações de vítimas que exigem o esclarecimento de centenas de crimes.
"O ETA decidiu dar por encerrados seu ciclo histórico e sua função, dando fim a seu percurso. Portanto, o ETA dissolveu completamente suas estruturas e deu por encerrada sua iniciativa política", afirma a organização nessa carta.
Considerada terrorista pela UE, a organização diz querer abrir "um novo ciclo político" no País Basco, onde a coalizão independentista Bildu é a segunda força parlamentar por trás do governante PNV, nacionalista, mas não separatista.
Criada em 1959, durante a ditadura franquista, diz que a dissolução "encerra o ciclo histórico de 60 anos do ETA". No entanto, ressalta que o anúncio "não supera o conflito que o Euskal Herria mantém com Espanha e França".
Jean-Noël "Txetx" Etcheverry, um dos artífices do processo de paz, considerou a dissolução "uma boa notícia", embora acredite que "não se trata da declaração oficial do ETA", mas de uma simples "carta".
"Um jornal publicou uma carta. Espero que o ETA mande um comunicado para analisar do que se trata realmente", disse à AFP.
Um alto funcionário do governo basco afirmou à AFP que a carta não supõe o anúncio definitivo da dissolução do ETA e e que isto acontecerá na quinta-feira, certamente com um vídeo enviado à BBC.
"É uma carta que o ETA enviou com antecedência para personalidades e entidades que participaram há sete anos da declaração de Aiete", uma conferência internacional que possibilitou, em outubro de 2011, o fim definitivo da luta armada por parte do grupo.
De acordo com ele, o objetivo da carta é assegurar a estas personalidades, que incluem o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e o ex-líder do Sinn Fein norte-irlandês Gerry Adams, "que sua decisão (de dissolução) é séria".
- As vítimas, descontentes -
Em uma coletiva de imprensa em San Sebastián nesta quarta, o coletivo de vítimas COVITE manifestou seu descontentamento pelo modo como o ETA se dissolveu.
"Este não é o final do ETA que queríamos (...) deveria ter sido diferente", disse Consuelo Ordóñez, presidente de COVITE e irmã de Gregório, político basco conservador assassinado pela organização em 1995.
A associação de vítimas exige que se "evite colocar no zero os contadores dos 853 assassinatos cometidos" pelo ETA e por grupos afins e insiste em que ainda restam esclarecer 358 crimes.
Pede também que os membros da organização "assumam sua responsabilidade histórica e criminal" e "reconheça publicamente que a Espanha conta com um indubitável sistema democrático que o ETA tentou obstaculizar" com sua violência.
O governo conservador de Mariano Rajoy se mostrou firme e assegura que não dará vantagens para o ETA, que pede, entre outras coisas, um reagrupamento de seus presos perto do País Basco.
"Não basta apenas que se arrependam (...), mas também é necessário que paguem suas dívidas, que ao mesmo tempo colaborem com a administração de justiça para o total esclarecimento dos fatos" pendentes, disse nesta quarta-feira o ministro do Interior, Juan Ignacio Zoido.
"Que fique bem claro que eles terão que pagar por suas culpas e que não há nenhum tipo de impunidade. E que antes e depois desse comunicado serão perseguidos onde quer que se encontrem", acrescentou.
Segundo especialistas, há atualmente 100 integrantes do ET na clandestinidade.
Além dos mortos - a grande maioria após a morte do ditador Francisco Franco, em 1975 -, o Euskadi Ta Askatasuna (Pátria e Liberdade, em basco) extorquiu empresários e armou sequestros para se financiar.
Durante o que os nacionalistas denominam "conflito basco", houve também uma "guerra suja" por parte do Estado espanhol de 1975 a 1987. O GAL, um grupo parapolicial, matou 27 pessoas, um escândalo que levou à prisão de dois funcionários de alto escalão do governo socialista de Felipe González (1982-1996).
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