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Ludmila e as chuvas de verão

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O Brasil não tem tradição de lidar com grandes tragédias naturais. Talvez porque, como o Criador nos livrou de terremotos, vulcões, tornados, tufões, tsunâmis, criamos uma cultura de não acreditar que elas possam ocorrer. Já com as chuvas somos levianos em lidar com elas, com nossas enchentes e secas, que ocorrem aqui e acolá, com frequência repetitiva.

O caso do Rio de Janeiro é um exemplo dramático do nosso despreparo, da penúria da Defesa Civil. E não é caso isolado, acontece em todo o país. Veja-se Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo. O problema existe por causa das cidades não estruturadas. Lembro-me de Celso Furtado, ao falar das secas, afirmando que mais que meteorologia era sociologia. E dava o exemplo: no Saara não chove e não acontece nada, porque lá não tem gente.

É a gente que sofre que nos desperta para a necessidade de estarmos preparados para enfrentá-las.

A cidade de Imperatriz, no Maranhão, está em estado de choque com o drama do doutor Marcelo Cláudio Bernardes Pereira. Ele vivia no Rio, era funcionário do estado e, sabendo da abertura de cargo de tabelião em Imperatriz, inscreveu-se e foi aprovado. Veio para encontrar casa e depois trazer a família que ficou no Rio.

Os filhos Yuri e Ludmila, a esposa Andréia, a sogra e sete familiares da cunhada, inclusive um filho de 2 anos, aproveitam as férias de fim de ano para despedirem-se do clima da serra em Itaipava, preparando-se para os calores do Maranhão.

Estavam todos e mais uns amigos em uma casa alugada e dormiam tranquilos. Começa uma chuva de verão, torrencial, persistente. Encharca-se a terra, desloca-se a capa vegetal e uma avalanche vai soterrar a casa em que foram bus car a alegria da vida. São soterrados. Não tiveram tempo nem de saber o que acontecia, e o mistério da respiração cessa para todos, a lama e a mata soterram tudo. Cessado o barulho do desastre, resta o som da chuva e o silêncio da morte.

Em Imperatriz, doutor Marcelo também dorme. Não sabe que naquele instante ele ficava só no mundo. No dia seguinte, comunicado da tragédia, volta ao Rio. A casa que alugara nunca receberá sua família. No Rio não encontra mais ninguém.

Quantos doutores Marcelos, anônimos, não têm seus dramas pessoais soterrados entre os setecentos mortos de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo? A dor e solidão dos que ficaram e o silêncio dos que estão na eternidade devem despertar a consciência de que temos de fazer tudo, não só na solidariedade, mas na prevenção de outras tragédias como a que levou Yuri e Ludmila, sua mãe, sua família e a graça da vida.