Programas direcionados à questão da abstinência sexual não são eficazes para retardar o início das relações sexuais entre adolescentes ou alterar comportamentos de risco.
A avaliação consta de documento inédito elaborado pelo Departamento Científico da Adolescência da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e previsto para ser enviado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e ao da Saúde.
No documento, obtido pela reportagem e feito após análise da equipe e revisão de estudos sobre o tema, o órgão diz que políticas voltadas a essa faixa etária devem "reconhecer o direito que adolescentes e jovens possuem quanto à importância de conhecer seu próprio corpo e receber informações e cuidados adequados à saúde reprodutiva".
Em seguida, reitera parecer da Sociedade Americana de Medicina do Adolescente, o qual aponta "falhas científicas e éticas da abordagem focada exclusivamente em abstinência", "deixando à margem adolescentes sexualmente ativos, os que já são pais, os que não se consideram heterossexuais e vítimas de abusos sexuais".
Para a SBP, a abstinência pode até ser uma "escolha saudável" ao adolescente, "desde que seja uma decisão pessoal e não uma imposição ou única opção oferecida". O motivo é a baixa eficácia desse modelo.
"Embora teoricamente protetoras, as intenções de abstinência geralmente falham, pois a mesma não é mantida e estes programas não são eficazes para retardar o início das relações sexuais ou alterar comportamentos de risco", afirma.
O posicionamento da associação médica, cuja especialidade responde pelo atendimento dessa faixa etária, ocorre após a pasta liderada por Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) informar que elabora uma política de "escolhi esperar, de retardar o início da relação sexual" como uma "nova visão" contra a gravidez na adolescência.
Presidente da SBP, Luciana Rodrigues da Silva diz à reportagem ver a proposta como preocupante. Ela afirma que o órgão irá solicitar ao governo que reveja a medida.
"Mesmo que o adolescente opte por esses métodos [de abstinência], a longo prazo isso não funciona porque ele está em uma fase na qual há uma série de mudanças hormonais", diz.
"Essa é a fase em que a vida sexual geralmente inicia. Não podemos dizer ao adolescente que se abstenha de ter relação. Se escolhe não ter, é uma escolha individual dele. Mas ele tem de ter conhecimento de que existem outros métodos para que na hora em que decida, possa se proteger."
Para ela, o modelo divulgado até o momento "não é realista".
Segundo Silva, o ideal é que informações sobre a importância do sexo seguro e o risco de gravidez precoce, infecções sexualmente transmissíveis sejam dadas ainda no início da adolescência.
Questionada se a abstinência pode ser considerada, a presidente diz que há "outras políticas que são mais importantes".
"A principal é a de educação sexual e informação adequada. Essa política tem de estar na escola e nos ambulatórios do adolescente, com acompanhamento por pediatra", defende.
Para embasar o argumento contrário a políticas centradas na abstinência, a SBP cita o exemplo de programas aplicados nos Estados Unidos voltados a esse modelo e criticados pelo alto custo e pela baixa eficácia. O modelo americano foi um dos analisados em seminário feito pelo ministério no ano passado.
"Outro fato a ser discutido é que esses programas não instruem as adolescentes quanto ao uso de preservativos ou contraceptivos, sendo, portanto, considerados uma violação dos direitos humanos", afirma o órgão.
O documento deve ser encaminhado aos pediatras e ao governo nesta terça-feira (28). O texto relembra orientações a médicos sobre a prescrição de métodos contraceptivos e a necessidade de apresentar aos adolescentes "todos os métodos e como funcionam".
Procurado, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos diz que ainda não recebeu o documento da SBP, mas que a política está em construção. "Apresentar qualquer contestação antes mesmo que esta seja apresentada ao público é, no mínimo, prematuro", afirma.
Em nota, a pasta alega ainda que a política "não será focada na abstinência, mas na prevenção à gravidez precoce". A novidade da medida, no entanto, será apresentar "uma ação de educação que incentive a melhor decisão do jovem, a qual pode estar em adiar a iniciação sexual". Diz ainda que estudos têm demonstrado benefícios nesta política --a pasta, porém, não informa quais.
O ministério diz, ainda em nota, que o centro da política continuará a ser o incentivo ao uso de preservativos. "O enfoque é em dar informação e segurança ao jovem para que este faça sempre as melhores escolhas, pensando em todas as consequências que suas decisões poderão trazer."
Nos últimos dias, no entanto, a pasta vinha afirmando que faria uma política própria, e que a medida seria "complementar" às estratégias já disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, responsável pela oferta de métodos contraceptivos.
Também chegou a dizer que contraceptivos não apresentam 100% de eficácia --boa parte dos métodos mais conhecidos de prevenção, porém, têm eficácia que chega a 99% se seguidas as recomendações de uso. (Natália Cancian/FolhaPressSNG)