Em 2017 circulou a notícia na grande imprensa mundial que funcionários da embaixada americana em Havana haviam sofrido lesões ao sistema nervoso, perda de audição e dores de cabeça, supostamente em razão de um ataque sônico de Cuba. O caso levou a uma crise em que vários diplomatas foram retirados de Cuba pelo governo dos Estados Unidos.
Recentemente, as universidades de Berkeley, nos Estados Unidos; e Lincoln, no Reino Unido, concluíram que o suposto ataque sônico nada mais era do que o som de grilos de cauda curta. Ou seja, o som que o simpático e inofensivo inseto faz para atrair a fêmea para o ritual de acasalamento quase gerou um impasse diplomático que poderia ter gerado severos danos à ilha. Conhecendo o estilo belicoso do atual presidente dos Estados Unidos, não seria espantoso se o caso tivesse sido usado como pretexto para maiores sanções ou mesmo uma invasão.
Pois bem, agora o leitor deve estar se perguntando: o que o grilo cubano tem a ver com o Bolsonaro?
Em 2018, o Brasil sofreu o seu “ataque sônico”. Numa campanha contra um inimigo inexistente, tal qual o ataque sônico de Cuba, que, no nosso caso, foi a ameaça comunista e o enterro de um socialismo que jamais existiu, o país elegeu pela primeira vez um presidente extremista.
Acontece que por aqui fechamos os olhos às explicações técnicas, à história, aos fatos. É como se os Estados Unidos tivessem resolvido imediatamente explodir a ilha caribenha como uma reação ao ataque sônico. Um eleitorado “grilado” reagiu com destempero de fazer corar Donald Trump.
O resultado é que com poucos dias de governo fica claro que o remédio foi bem pior que a alegada doença. A inexperiência e falta de conhecimento de um deputado inexpressivo durante 28 anos no Congresso no comando da nação cria situações das quais o Brasil demorará anos para se recuperar. Uma ministra de Direitos Humanos que mistura sua fé com direito e relega a segundo plano a ciência; um ministro de Relações Exteriores que põe a perder a sempre elogiada política externa brasileira, cuja principal característica é o não alinhamento automático e o respeito à soberania dos povos; um ministro da Justiça que escolhe suas batalhas por grau de afinidade ideológica; o retorno da corrupção “aceitável”, tão presente nos governos militares, em que o filho e o conhecido do general eram nomeados para os melhores cargos e um assessor repartia seus vencimentos com os responsáveis por sua nomeação.
A população brasileira, por enquanto, apenas acompanha, na esperança de que o responsável por conduzir a economia, querido do mercado, faça tudo valer a pena. Os mais afortunados assistem passivamente aos danos de longo prazo realizando os ganhos imediatos nos mercados acionário e cambial.
Antes que o grilo pudesse aparecer e justificar o equívoco que tomou conta da população, o Brasil resolveu dar poder para o seu predador. Elegemos o sapo, que, por mais que a ministra de Direitos Humanos deseje, é “menino” que jamais se transformará em príncipe.
* Advogado, mestre em Direito Tributário pela Georgetown University e mestrando em ciência política pela UFF