A atual conjuntura da política internacional anda cada vez mais complexa. Nesse sentido, respostas “simples” e buscas por previsibilidade são insuficientes diante das variáveis que estão presentes no xadrez geopolítico mundial, sobretudo, quando consideramos a presente situação da Venezuela. Por mais que anseie alçar vôos na arquitetura do Sistema Internacional, o turpial – pássaro símbolo da República Bolivariana da Venezuela –, não encontra apoio ou ajuda necessária para sair da gramática da crise que insistem e/ou mesmo reiteram os atores da/na política mundial.
No início dos anos 2000 houve uma onda de governos progressistas na região que favorecia o diálogo e resolução de conflitos. Diferentemente, desde meados de 2015 – com a vitória de Maurício Macri na Argentina; o golpe no Brasil em 2016, durante o segundo mandato de Dilma Rousseff; a vitória de Sebastián Piñera no Chile; culminando com a ascensão do conservador Iván Duque na Colômbia –, houve a ascensão de governos neoliberais e de extrema-direita que estremeceram os projetos de integração regional.
Desde os governos de Hugo Chávez (1999-2013), e mesmo o atual governo de Nicolás Maduro, a Venezuela vem passando por diversas idiossincrasias domésticas e internacionais que dificultam qualquer possibilidade de diálogo, negociação, mediação. A queda do preço do barril de petróleo é uma das principais causas da crise econômica, culminando em problemas sociais e no elevado fluxo migratório para diversos países do Cone Sul, sobretudo para o Brasil.
Não bastassem essas variáveis, a gramática da intervenção (para além do militarismo e do humanitarismo) ganha espaço fazendo com que países como EUA, Rússia e China devam ser considerados. Os EUA de Donald Trump, de modo “informal”, por meio do Grupo de Lima, desde 2017 passou rotineiramente a conter, impedir e mesmo intervir no governo de Maduro, reeleito em 20 de maio de 2018. Uma eleição considerada por muitos analistas e representantes de organizações internacionais e ONGs como polêmica e com elevado índice de abstenção (54%). No entanto, cabe ponderar que o voto na Venezuela não é obrigatório desde 1998.
Do ponto de vista internacional, as relações dos EUA com outros grandes países do sistema como Rússia e China andam cada vez mais estremecidas. Os conflitos de interesse dos EUA com outros países-membros do Conselho de Segurança da ONU tornam qualquer postura mais assertiva sobre uma possível intervenção militar no mínimo irrazoável, tendo em vista a nota do governo russo que legitima a liderança de Maduro.
Especificamente, no caso da China, as relações permanecem estáveis desde os governos de Chávez. A Rússia também já atuava em investimento e inovação nas áreas de tecnologia da informação, defesa, estratégia e logística. Considerando todas essas questões, cabe tão-somente destacar que qualquer apoio político em favor da intervenção gerará violência. Nesse sentido, o apoio e o reconhecimento ao deputado Juan Guaidó como presidente interino certamente não será fácil e teremos contradições entre interesses das lideranças e das elites políticas e econômicas dos países atuantes. Por parte do Brasil, por exemplo, o atual vice-presidente, general Mourão, recentemente desautorizou o presidente Bolsonaro em entrevista, quando afirmou que o Brasil não participará de nenhum processo de intervenção.
Resta, portanto, aguardarmos o tempo, para sabermos quais serão os movimentos das peças do xadrez, posto que nem sempre os “reis” e as “rainhas” são aqueles que fazem atos. Por vezes, há “reis” e “rainhas” que delegam ações a outros atores regionais como uma “alternativa” ainda que o real intuito nada mais seja do que projetar direta e indiretamente seu poder e controle de forma imperialista sob o governo e as populações venezuelanas. Cabe indagar se o turpial terá fôlego e resistência para os amálgamas da atual conjuntura.
* Mestre em Relações Internacionais (Uerj)
** Pesquisadora visitante na Columbia University e mestra em Economia Política Internacional (UFRJ)