Após sua aprovação em 1º turno no Plenário da Câmara em 11 de julho, e a votação de destaques e emendas aglutinativas no dia 12, o texto da Nova Previdência, agora em sua 7ª versão (PEC 6/2019-G), aguarda algumas semanas de recesso parlamentar, havendo então um hiato entre as votações de 1º e 2º turno, para depois desta ser enviado ao Senado.
Contrariando o governo, o Plenário da Câmara não aprovou que o tempo mínimo de contribuição exigido dos homens do RGPS aumentasse para 20 anos, permanecendo em 15 anos como é atualmente. Mas, como a regra de cálculo da proposta fora elaborada para 20 anos, criou-se um hiato no percentual adicional para homens.
De acordo com o texto que aguarda votação em 2º turno, apesar dos homens poderem se aposentar com 60% de integralidade tendo contribuído por 15 anos, esse percentual só terá acréscimo de dois pontos percentuais para cada ano que exceder 20 anos, ficando estagnado em 60% para qualquer período entre 15 e 20 anos completos de contribuição.
Portanto, um homem que contribuir por 15 anos sobre R$ 3 mil mensais, ao se aposentar, receberá R$ 1.800. Um outro homem que contribuir por 20 anos sobre os mesmos R$ 3 mil mensais, ao se aposentar, também receberá R$ 1.800. Uma situação no mínimo esdrúxula e que contraria o que o governo anuncia com letras garrafais em seu site oficial de propaganda da Nova Previdência: “Quanto mais tempo a pessoa contribuir, mais vai ganhar”.
Felizmente, para as mulheres do RGPS, esse hiato no percentual adicional foi eliminado, pois, como para elas a manutenção dos 15 anos de contribuição fora determinada na Comissão Especial, foi possível ao Plenário da Camâra fazer essa correção. Apesar de não haver mais hiato no cálculo para mulheres, ainda assim há situações esdrúxulas com elas também.
Uma mulher que contribuir por 15 anos sobre R$ 3 mil mensais, ao se aposentar, receberá R$ 1.800. Uma outra mulher que contribuir pelos mesmos 15 anos sobre os mesmos R$ 3 mil mensais, e também contribuir por mais 10 anos sobre R$ 1 mil mensais, ao se aposentar tendo 25 anos de contribuição, também receberá R$ 1.800. Para que servem os 10 anos de contribuição sobre R$ 1 mil mensais da segunda mulher?
Cabe ressaltar que, se for utilizada a regra de cálculo noticiada de forma incompleta pela imprensa (60% da média de todos os salários de contribuição corrigidos mais 2% dessa média para cada ano completo de contribuição que exceder os 15 anos exigidos), a segunda mulher do parágrafo anterior receberia R$ 1.760, um valor incoerente e menor do que o da primeira mulher. Mas, devido a um dispositivo “salva-guarda” no Parágrafo 6º do Artigo 26, o cálculo efetuado corretamente resulta em R$ 1.800 (ver nota técnica ao final deste artigo).
Esse dispositivo “salva-guarda” foi inserido no texto pelo relator da Comissão Especial para corrigir uma falha na fórmula de cálculo da proposta original. Essa falha, que foi exposta neste Jornal do Brasil em 4 de abril, em um artigo por mim escrito, permitia que houvesse casos de uma pessoa ganhar menos por ter contribuído mais. Apesar das negativas do ministro Paulo Guedes, que ignorou e negou a existência da falha quando questionado pelo deputado Alessandro Molon em duas audiências públicas na Câmara, o relator tomou ciência do assunto e fez uma correção.
Como exemplificado no caso das mulheres neste artigo, a correção feita pelo relator evita que alguém receba menos por ter contribuído mais, além de evitar judicializações futuras, mas não consegue garantir o cumprimento do que o governo prometeu em sua propaganda.
Também não esqueçamos do hiato criado pela não inclusão dos estados e municípios no texto aprovado pela Câmara, que, a fim de evitar desgastes políticos regionais, preteriu a unificação das regras, deixando com que os já financeiramente combalidos estados e municípios arquem com as despesas de suas próprias reformas ou as de não fazê-las.
O hiato causado pelo recesso parlamentar deveria ser usado para uma melhor análise do texto da Nova Previdência que foi aprovado em 1º turno, levando à elaboração de propostas que eliminem os outros hiatos e outras possíveis falhas, em prol da coerência e do bem do país e de seus cidadãos.
Nota Técnica
Esta nota técnica descreve a maneira correta de se efetuar o cálculo do benefício, em três passos, conforme as regras no texto da PEC 6/2019-G aprovado em 1º turno pelo Plenário da Câmara.
Mulheres do RGPS que contribuírem por 15 + Y anos:
(1) Corrigir monetariamente todos os salários de contribuição.
(2) Calcular os seguintes valores:
- 60% da média dos 180 maiores salários de contribuição corrigidos;
- 62% da média dos 192 maiores salários de contribuição corrigidos;
...assim por diante, aumentando o percentual em dois pontos e o número dos maiores salários considerados em 12, até...
- (60+2Y)% da média dos 12×(15+Y) maiores salários de contribuição corrigidos.
(3) O benefício mensal inicial será igual ao maior valor calculado no Passo 2, limitado ao teto previdenciário, e não podendo ser inferior ao salário mínimo.
Homens do RGPS que contribuírem por 15 + X anos:
(1) Corrigir monetariamente todos os salários de contribuição.
(2) Calcular os seguintes valores:
- 60% da média dos 180 maiores salários de contribuição corrigidos;
...hiato: ir para o Passo 3 se X < 6...
- 62% da média dos 252 maiores salários de contribuição corrigidos;
- 64% da média dos 264 maiores salários de contribuição corrigidos;
...assim por diante, aumentando o percentual em dois pontos e o número dos maiores salários considerados em 12, até...
- (60+2×(X - 5))% da média dos 12×(15+X) maiores salários de contribuição corrigidos.
(3) O benefício mensal inicial será igual ao maior valor calculado no Passo 2, limitado ao teto previdenciário, e não podendo ser inferior ao salário mínimo.
*probabilista e analista financeiro, Ph.D. em Matemática Aplicada pela University of Colorado, foi Professor de Matemática da Indiana University