O ano está no começo e não sei vocês, mas eu costumo fazer um pequeno planejamento dos filmes que ainda não assisti, dos eventos, exposições que quero acompanhar e, claro, dos livros que valem ser lidos durante os próximos doze meses. É evidente que no decorrer de 2020 outras atrações aparecerão e muitos projetos terão de ser remanejados, mas é bom quando já se tem ao menos alguns pontos de partida.
Como a minha pesquisa de mestrado é construída em torno da vasta literatura feminista, ando imersa em livros, muitos livros. Considero justo que eu divida alguns dos títulos com as leitoras e leitores, para que sigam o ano em ótimas companhias, caso contrário, parafraseando Chico Buarque, “ninguém segura esse rojão”.
Além de pesquisar o tema, levanto sem cerimônia a bandeira do feminismo – que nada mais é do que a luta para que as mulheres tenham os mesmos direitos que o homens – e, por isso, começo a minha lista de dicas literárias feministas com um livrinho pequeno e delicioso, de título sugestivo: Sejamos todos feministas, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Logo na introdução, ela afirma que a palavra “feminista”, assim como a própria ideia de feminismo, é limitada por estereótipos. E nas pequenas cinquenta páginas seguintes, usa frases simples para desconstruir esses estereótipos. Chimamanda conta, por exemplo, que quando lançou o romance Hibisco roxo, sobre um homem que batia na mulher, um jornalista a aconselhou a nunca se intitular feminista, “já que as feministas são mulheres infelizes que não conseguem arranjar marido”. Desde então, afirma ela, decidiu se definir como uma “feminista feliz”. A escritora deixa claro que esta definição é apenas uma brincadeira, mas gosta de usá-la para ilustrar como a palavra “feminista” tem um peso negativo.
Para lembrar que a opressão sofrida pelas mulheres é um enredo difícil e pesado, a dica agora é A redoma de vidro, da americana Sylvia Plath. Trata-se do único romance escrito pela autora, que ficou conhecida mundialmente pelos seus poemas, que gritavam sofrimento, falta de ar e pedidos de socorro. Três semanas após o lançamento do romance – que tem uma jovem de dezenove anos como protagonista – Sylvia Plath cometeu suicídio. O livro é uma imersão na subjetividade feminina na década de 50 e mais não posso contar.
A brasileira Patrícia Melo também escreveu Mulheres empilhadas com palavras e frases pesadas, carregadas de violência dosada, mas também de resistência e um toque de ironia. A escritora recorreu à ficção para denunciar os casos crescentes de feminicídio, que matam três mulheres todos os dias no Brasil. No romance, histórias reais se alternam com a ficção, para que a leitora e o leitor reflita (de forma até lúdica em alguns momentos) sobre o crime que não para de crescer no país e empilha mulheres mortas.
Para as leitoras que querem entender como as bruxas queimadas durante a Idade Média começaram a ser rotuladas de forma negativa até serem lançadas às fogueiras, a indicação é Mulheres e caça às bruxas, da historiadora italiana Silvia Federici. A autora amplia a questão da opressão às mulheres para o cenário econômico e comprova como “a caça às bruxas se coloca na encruzilhada de um aglomerado de processos sociais que preparam o caminho para o surgimento do mundo capitalista moderno”. Silvia Federici afirma que impossível desvencilhar o machismo estrutural vigente em uma estrutura patriarcal do capitalismo. A mesma análise é feita em Calibã e a bruxa, também da autora, mas de forma mais complexa e detalhada.
Como o texto já está extenso – e ainda faltam tantas dicas... – claro, o livro que não pode faltar na vida de uma mulher que quer entender as raízes do feminismo, da literatura feminista e, de brinde, se deliciar com uma linguagem lapidada artisticamente: Um teto do seu, de Virginia Woolf, baseado em duas palestras que ela fez na década de vinte a estudantes universitárias inglesas. É deste livro o conselho da escritora que levo para a vida e trago para 2020: mulheres, bebam vinho e tenham um teto todo seu. Ter um teto todo seu é mais difícil, sabemos. Mas tomar vinho é para todas. Caso contrário, “ninguém segura esse rojão”.
Lídice Leão é jornalista, pesquisadora e mestranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo.