Feito peixes a vagar pelo limitado ambiente do reservatório de água, o medo nos isola contra a possibilidade gritante de entrar para as apressadas estatísticas do novo coronavírus.
E a grande diferença entre mim e o peixe betta que vaga pelo aquário na cozinha da minha casa é a constante presença de informações por toda parte, as quais não permitem sequer a paz de um isolamento pleno.
O celular não para, a televisão parece balbuciar "novo coronavírus" até quando desligada, e, como se já não bastasse, falar - mesmo com distância de segurança - com outra pessoa é situação de contágio: lá está o vírus no assunto.
Os atos acabam por ser guiados por previsões escatológicas de quem já acha divertido - num entretenimento obsessivo - criar hipóteses para o fim da humanidade.
E o perigo mora nos excessos que o confinamento estimula. O tempo livre - ou até o trabalho em casa - torna convidativos os biscoitos do armário, a comida da geladeira, o cardápio (quase) infinito de séries e filmes, as redes sociais fervilhando de postagens e os tantos sites de notícias.
Há quem veja, portanto, este momento de quarentena como oportunidade para se manter conectado, bem informado, mas os fatos - esses inconvenientes que cismam em nos perseguir - devem ser dosados, assim como as demais coisas à disposição, consumidos cuidadosamente em porções nada generosas, e eu explico.
Se colocar entre trincheiras recebendo tiros e bombas - leia-se informação - incessantemente de todos os lados pode fazer de você uma pessoa doente.
Isso porque o excesso de informação, quando disparado, de alguma maneira, vai fazer vítimas. E esse bombardeio deixa uma sensação de impotência e desespero - tanto pelo que os jornais sérios dizem quanto pelas falsas realidades propagadas por quem tomou conhecimento do que foi dito e quis deixar sua "interpretação" hiperbólica.
Mas veja bem o ponto: deve ser buscado um equilíbrio entre o bombardeio de informações e o completo desconhecimento, pois ambos os polos são alienantes. E também não tem essa de "invenção da mídia", pois os fatos - sempre eles! - estão aí para surpreender os melhores ficcionistas.
O problema mora na abordagem ininterrupta do assunto - você liga a televisão e lá está: "receita de bolo para fazer na quarentena - a dica é lavar as mãos" - e, também, na abordagem que classifica uma pandemia como questão ideológica - que se trata de "fantasia", "neurose" e "histeria" - sem dedicar ao assunto a seriedade que exige.
Ou seja, o álcool gel para combater a alienação em tempos de quarentena só pode ser uma bela dose de bom senso e higiene pessoal.
Ronaldo Junior é bacharel em Direito, licenciando em Letras – Português e Literaturas, poeta, contista e cronista
@ronaldojuniorescritor