A violência contra a mulher sempre foi uma questão gravíssima no Brasil. Em 2019, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada dois minutos era criado um Boletim de Ocorrência em alguma delegacia do país com denúncia de vítima no convívio doméstico. O problema já era imenso e ficou pior com o necessário isolamento social, decorrente da pandemia pelo Covid-19.
Desde o inicio da quarentena, em março, o número de denúncias recebidas pelo canal Ligue 180, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), aumentou 17,9%, em todo o país, em comparação com o mesmo período de 2019. No mês seguinte, em abril, o crescimento foi de 37,6%.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) no estudo “Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19”, apresentados em maio, demonstram que o feminicídio no país cresceu 22,2% nos meses de março e abril desse ano, se comparado ao mesmo período do ano passado. Os dados indicam que houve menos registros de ocorrências de crimes dessa natureza nas delegacias de todo o país. Consequentemente, houve a redução da concessão de medidas protetivas de urgência para evitar o contato de agressores com mulheres.
Essa queda, certamente, ocorreu porque milhões de mulheres estão confinadas com seus agressores em casa, muitas em verdadeiro cativeiro, o que prejudica a denúncia em delegacias, mesmo com os sistemas virtuais. Constata-se o acerto dessa conclusão pelo fato de que, embora a possibilidade de acusação de crimes tenha caído, a ocorrência de feminicídio aumentou no Brasil de forma expressiva. Fenômeno similar foi constatado na Itália e divulgado pela ONU.
Também em razão desse cenário, foi sancionada a Lei 14.022/20, que dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar durante pandemia do novo coronavírus. A norma torna essenciais os serviços relacionados ao combate e à prevenção das agressões tanto contra mulheres quanto contra idosos, crianças, adolescentes e pessoas com deficiência.
De acordo com a Lei 14.022/20, os prazos processuais, a apreciação de matérias, o atendimento às partes e a concessão de medidas protetivas, que tenham relação com atos de violência doméstica e familiar cometidos contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência serão mantidos, sem qualquer suspensão.
O registro da ocorrência de violência doméstica e familiar contra esse grupo poderá ser realizado por meio eletrônico ou por meio de número de telefone de emergência designado para tal fim pelos órgãos de segurança pública. Além disso, o poder público deverá adotar as medidas necessárias para garantir a manutenção do atendimento presencial de mulheres, idosos, crianças ou adolescentes em situação de violência, com a adaptação dos procedimentos estabelecidos na Lei Maria da Penha.
Também está previsto que o poder público promoverá campanha informativa sobre prevenção à violência e acesso a mecanismos de denúncia durante o estado de emergência. Tais medidas, como tantas outras que o país já adota, como o cumprimento das determinações da Lei Maria da Penha, por exemplo.
Mas apesar de todas essas medidas, é necessário e se mostra ainda mais urgente uma mudança na cultura e modo de olhar a questão.
Políticas públicas de prevenção são necessárias para que a violência contra a mulher seja contida, e não chegue ao ponto mais negativo, o feminicídio, que nessas circunstâncias, é, obviamente um dano irreversível, irreparável.
É necessária, ainda, a mudança de mentalidade da própria mulher. Se cinquenta e um por cento da população do mundo é formada por mulheres, os cinquenta por cento restantes são de homens criados por mulheres.
É também necessária uma reflexão da mulher sobre o papel feminino na sociedade. O espaço é sempre um lugar de disputa. Realmente, com essa educação enraizada e machista, não só no Brasil como no mundo, em que a mulher é relegada, em geral, a um papel secundário, a sua maior participação na produção e atividades econômicas, muitas vezes, gera uma reação violenta, física e/ou emocional.
O conceito da violência doméstica e familiar que está presente na legislação parte da premissa de que é o que se estabelece no âmbito de relações desiguais com base na diferença de gênero. Ela está presente em todas as sociedades. A lei estabelece que qualquer condição que venha a causar a diminuição, seja moral, física ou psicológica, é caracterizada como brutal.
A verdade é que muitas mulheres precisam de apoio para compreender o poder e o potencial que possuem. E, o importante papel nesse cenário, na luta pela igualdade, respeito, e direitos de todas. Mais do que nunca, é necessária a união. Precisamos transformar os rumos da história do país e que nenhuma mulher se sinta mais intimidada.
*Vice-presidente da OAB-RJ.