A evidência territorial é hoje questionada por fenômenos econômicos. Com o desenvolvimento de indústria, comércio e serviços, o mundo é mais imaterial. Para formação de valor, é mais difícil identificar os componentes materiais, vem da inclusão em redes. Quando liberada do espaço, a solidariedade das comunidades territoriais desaparece, substituída por reagrupamentos de interesses temporários.
A partir do momento em que não há lugar natural para solidariedade, não há grandes decisões de se originam pequenas decisões. O debate sobre a organização da sociedade apequena-se, reflexo do encolhimento do processo de decisão e profissionalização. Quando se reduz a política a uma função onde se determina o valor dos interesses presentes, o espaço da política é ameaçado de desaparecimento.
Impotente diante do confronto profissional de interesses, a função principal do político hoje é a gestão das percepções coletivas. Fragmentação de assuntos, desagregação do tempo, simplificação das percepções: o mais importante, por diversas vezes o único critério.
Tomemos o atual processo orçamentário brasileiro: repuxado por sem-número de demandas pontuais, artificialmente enquadrado por decisões de âmbito geral, que somente restringem as aparências, é um exemplo notório de paralisia que conduz à difusão do poder.
O bom funcionamento da máquina estatal requer elementos intercambiáveis, e capazes de se encaixar em combinações infinitas. Hoje, o conformismo não é mero acidente, uma fraqueza lamentável da sociedade em rede, e sim uma condição necessária ao seu funcionamento.
Cada escolha entra em ressonância com as escolhas anteriores, resultante tanto da memória das decisões anteriores, quanto das escolhas mais recentes. É dessa volatilidade, onde todos os elemento se apoiam mutuamente, que se origina a superficialidade vigente.
Atualmente, todos admitem que a mudança é a regra. Ao mesmo tempo, todos entendem que a mudança foge à alçada do gestor. Objetivamente, o gestor é julgado por sua plasticidade. Como na recente indicação do presidente Bolsonaro à próxima vaga no STF.
Engenheiro, é autor de "Por Inteiro" (Editora Multifoco, 2019)