O Consórcio da Amazônia Legal, que se reuniu nesta semana em Belém, é maneira dos estados da região formularem políticas locais num contexto de um governo federal centralizador, disse cientista político.
Com o desenvolvimento da região como tema, os governadores dos nove estados da Amazônia Legal participaram na capital paraense, de quarta-feira (11) a sexta-feira (13), do Fórum de Governadores, que reuniu os integrantes do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, autarquia pública composta por Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Em entrevista à agência de notícias Sputnik Brasil, o cientista político Marcelo Seráfico, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), disse que o governo de Jair Bolsonaro adota uma postura de "recentralização do poder decisório em Brasília".
Um exemplo claro disso ocorreu em fevereiro deste ano, quando decreto do governo federal excluiu a participação dos governadores do Conselho Nacional da Amazônia, que foi retirado do âmbito do Ministério do Meio Ambiente e transferido para a vice-presidência, sob o comando do general Hamilton Mourão.
'Falha dos publicitários' de Bolsonaro
"Deve ter ocorrido algum tipo de falha na formulação da campanha presidencial e os publicitários entenderam errado, ao invés de mais Brasília, menos Brasil, eles colocaram mais Brasil, menos Brasília", brincou Seráfico.
Nas eleições de 2018, um dos slogans de Bolsonaro foi "mais Brasil, menos Brasília", uma referência à diminuição do tamanho do estado e à descentralização do poder.
Segundo o cientista político, o consórcio não tem uma "conotação político-partidária ou político-eleitoral", mas é sim "uma maneira de estabelecer uma frente para negociações", fruto da "necessidade dos governadores da região se colocarem diante de algumas questões dos estados e da Amazônia apresentadas pelo governo federal".
Coronavírus agrava falta de investimento na região
Para Seráfico, o governo Bolsonaro não está conseguindo atrair investimentos para o país e para a região. Situação que piorou nos últimos dias com a crise do coronavírus, a alta do dólar e a queda nas bolsas.
"O grande contexto é da crise mundial, como essa crise se combina com dificuldades de governo. Há o problema de desinvestimento do ponto de vista econômico, as modificações que estão sendo feitas para animar a economia do país e da Amazônia não estão tendo efeito. O coronavírus é um agravante dessa situação", disse o professor da UFAM.
Nesse ambiente, os investimentos e a questão sanitária foram justamente temas centrais do encontro em Belém. Após o encerramento do evento, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), disse em vídeo gravado nas redes sociais que os destaques do encontro foram "a apresentação de uma agenda anticrise e de investimentos", a "preocupação com a agenda sanitária" e o "estreitamento da parceria entre Ministério da Saúde e secretarias estaduais de saúde".
Concluímos agora a reunião do Consórcio Amazônia, realizada na cidade de Belém. No vídeo, faço um resumo das principais deliberações >> pic.twitter.com/5xgh7PL2B6
— Flávio Dino (@FlavioDino) March 13, 2020
'Desenvolvimento sustentável com baixas emissões'
Segundo Eugênio Pantoja, diretor de planejamento territorial e políticas públicas do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), organização que apoia a formulação das políticas e atividades do consórcio, o objetivo da iniciativa é "promover o desenvolvimento sustentável da região com baixas emissões de carbono".
Para ele, as políticas do governo federal para a região são insuficientes. "O consórcio está revisando e atualizando o plano para prevenção e controle do desmatamento da Amazônia", citou Pantoja como um exemplo de área negligenciada pela gestão Bolsonaro.
"É uma iniciativa para pensar alternativas para a Amazônia e um agronegócio de baixas emissões, que respeite a Reserva Legal e sem desmatamento ilegal", afirmou.
Mas há quem critique tanto o governo federal como a iniciativa dos governadores.
'Nem governo nem consórcio' tem projeto contra desmatamento
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 50 organizações da sociedade civil, disse que até o momento ninguém apresentou soluções e propostas para os reais problemas da região.
"Nesse momento no país nós não temos, nem do governo federal nem do consórcio, um projeto de combate ao desmatamento no Brasil, isso simplesmente não existe. Pelo contrário, estão sendo tomadas medidas concretas para aumentar o desmatamento, como o governo liberando a exportação da madeira em tora, medidas provisória para beneficiar grileiro de terra, projeto de lei para abrir terras indígenas para mineração", disse.
Segundo ele, as medidas mais efetivas do consórcio até agora foram para recuperar o Fundo Amazônia, que foi bloqueado devido às críticas de países financiadores à política ambiental.
"O Fundo é um recurso extra orçamentário extremamente importante para o país, que ajuda na fiscalização, porém esses dinheiro não foi repassado para os governos estaduais pois eles têm o mesmo problema do governo federal: apresentar um plano concreto para o combate ao desmatamento e garantir a participação da sociedade civil", criticou Astrini.