Os pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro, para não diferenciar de alguns de seus ministros, têm facilidade para alcançar amplas repercussões, partidas, sobretudo, dos setores que não o têm entre suas admirações. Diz ele alguma coisa, principalmente ao sabor do improviso, a imprensa e as redes sociais reagem logo; o que o obriga a uma tarefa pouco frequente entre os governantes: voltar ao assunto para esclarecer aquilo que ele próprio admite ter sido pouco explicado ou mal interpretado. O que dá a entender que seus discursos cuidam de observar a estrutura, ficando em segundo plano a forma como externá-la, isto é, a fase final em que os cuidados tornam-se fundamentais; e, se não convenientemente observados, podem comprometer o conteúdo. Isto é válido para todos os presidentes, mesmo quando temeram o improviso ou os mestres no idioma, como Jânio Quadros, que apreciava esbanjar pronomes em formas oblíquas e regências elaboradas.
Bolsonaro queixou-se de descuidos na interpretação de recente discurso pronunciado no Rio de Janeiro em exaltação às Forças Armadas, quando a elas atribuiu o papel de salvaguarda única da democracia brasileira, o que, como estadista, não podia deixar de reconhecer, mas sem indispensáveis ressalvas, entre as quais (seria custoso a ele curvar-se ante o fato) o golpe de 64. Foi uma época em que aquelas Forças reuniam recursos para manter intocada a democracia, mesmo com as profundas reformas sociais pretendidas, sem que para isso ajudassem a arquivar, durante duas décadas, a liberdade e a autonomia das instituições. As três Armas têm um passado de bons serviços, mas a melhor forma de exaltá-los é reconhecer os tropeços dos quais não escaparam.
Se, efetivamente, às forças militares, em qualquer parte do mundo, creditam-se méritos, principalmente quando saem em defesa da soberania nacional, também não foram pouco numerosas as vezes em que se prestaram a defender governos corruptos e regimes totalitários. Bolsonaro dá uma palavra de abono a esse desvio, ao lembrar que o ditador Maduro, da Venezuela, só se mantém no poder por causa do apoio militar, assim como também foi em Cuba, como reconhece, onde Fidel Castro garantiu-se no cargo, sem admitir contestação, porque contava com o respaldo incondicional dos militares. Estes, invariavelmente, os que fuzilaram os contrários e contestadores. Esses casos citados como exemplos de expressão militar são exatamente os que nodoam o passado da instituição responsável pela defesa. O presidente, que domina a história do militarismo, não teria maiores dificuldades em citar melhores exemplos.
Não é de se esperar que estenda ao Brasil o que identificou em terras venezuelanas e cubanas; mas seria de todo justificável se, na qualidade de chefe supremo das Forças Armadas, desse a elas a garantia de que, permanentemente dedicadas à responsabilidade de guardiãs da democracia, nunca mais deverão se dar a missões que possam ultrajar esse solene compromisso. A manifestação que nesse sentido faria, e cuja grandeza ninguém teria como contestar, também soaria oportuna para conter preocupações de setores da sociedade por verem seu governo confiando as principais posições estratégicas a patentes militares, já agora ocupando mais de uma centena de cargos. O poder é, na sua essência, um poder civil; e toda vez que deixou de sê-lo a sociedade se viu condenada ao arbítrio e à violência. Pode ser que em algum dia o presidente diga isso; ou coisa parecida.
Tudo ainda concorrendo para justificar o que muitas vezes se tem dito: o atual governo, do presidente aos ministros, continua devendo uma incursão na arte de comunicar.