Na semana passada, com tudo para ampliar a coleção de temas a exigir ação cirúrgica do Congresso Nacional, voltou à cena o velho e sempre robustecido problema das dívidas dos estados em relação à União; como também com agentes financeiros, junto aos quais foram tomados empréstimos em que ela é a instituição garantidora. Esses compromissos raramente conseguem romper o princípio da farsa na inadimplência: os estados fingem que pagam, enquanto a União finge a esperança de que vai receber. Não é de hoje essa novela.
Tal encenação continua caminhando para um perigoso impasse, quando se sabe que muitos estados - cinco deles até o momento conhecidos - são denunciados formalmente pelo Tesouro, por terem avançado além do que lhes permite a Lei de Responsabilidade Fiscal, consumindo mais do que deviam e podiam, nas folhas de servidores. Incorreram nisso Minas Gerais, Mato Grosso, Roraima, Tocantins e Paraíba. Nenhum ente federativo pode gastar mais de 49% de suas receitas correntes com o pessoal, sob pena de infringir a lei moralizadora, como também escassear recursos para obras e serviços reclamados pela população.
Além dos já denunciados, que representam quase a quinta parte da Federação, outros poderão, em breve, compor o quadro das infrações, porque não são poucos os casos em que folhas dos servidores padecem de obesidade, resultado de composições e apadrinhamentos políticos. É o que bastaria para considerar audácia de governadores se afirmassem que administram quadros enxutos. É gritante a evidência dos abusos. Houve e há casos em que, filiados a partidos derrotados ou que tiveram discretos desempenhos, os executivos são instados a nomear multidões de desconhecidos, que desembarcam de estados distantes. Instala-se o reinado de companheiros e correligionários aquinhoados com sinecuras e ajustes políticos, levando ao estouro das contas, o que a Lei de Responsabilidade Fiscal não admite.
Tudo caminhando para uma situação realmente embaraçosa, capaz de comprometer a manutenção de serviços essenciais. Mas, sem dúvida, com algum tempo para o Congresso traçar novos caminhos legais destinados a uma convivência harmoniosa entre devedores e credores, sem que se exclua a participação decisiva do ministério da Economia. Efetivamente, porque dívida, quando volumosa, ameaçando jamais ser paga, é, antes de tudo, problema para o credor, principal prejudicado, quando pagar se torna impossível. É preciso cuidar de um novo modelo, cercando maus pagadores, principalmente se praticam farras com o empreguismo político. Porque, em relação aos estados, o que adiantaria ao governo federal ter muito a receber de massas falidas?
Esta é uma realidade que, de certo modo, torna inócua a ameaça de Brasília ao prometer não mais autorizar operações de crédito "até que se promova o devido enquadramento"; o que, no popular, significa pagar o que deve e não bufar. Mas como, se não há caixa para tanto? E o governo federal, por mais duro e insensível que possa ser, não terá como assistir, de camarote, à tragédia dos estados, porque são eles parte de um corpo único. As dores acabam sentidas pelo país inteiro. Estamos diante de uma alta complexidade.
Ainda assim, seria total irresponsabilidade estimular, na tolerância, a cultura da inadimplência adotada pelos estados que optam pela ilegalidade e pelos excessos na política de empregos. Que se busque uma nova organização para gerir essas relações financeiras, sem continuar acobertando os irregulares, porque isso seria injusto tratamento em relação aos poucos que estão em ordem.