O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu a líderes indígenas que vai pedir à Advocacia-Geral da União (AGU) para manter suspensa a Portaria nº 303 até que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue os pedidos de esclarecimento – os chamados embargos de declaração – a respeito das 19 condicionantes estabelecidas pela Corte em 2009, para aprovar a manutenção da demarcação em terras contínuas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
A informação foi divulgada pelo Ministério Público Federal (MPF), em nota sobre o resultado da reunião de sexta-feira (31), no auditório do Ministério da Justiça, em Brasília. Além do ministro e de líderes indígenas de Mato Grosso e Rondônia, participaram do encontro a vice-procuradora-geral da República, Débora Duprat, a procuradora da República Marcia Brandão Zollinger e representantes da AGU, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do MPF.
A imprensa não teve acesso à reunião, e o ministro José Eduardo Cardozo não falou com os jornalistas ao fim do encontro. Procurada, a assessoria do Ministério da Justiça disse que não tinha detalhes sobre a conversa. O Ministério Público, porém, informou que foi aprovada a criação de um grupo de trabalho com representantes dos índios, do Ministério da Justiça, da AGU e da Funai, para estudar meios de demarcar terras indígenas sem gerar tantos conflitos. Segundo o MPF, Cardozo deve enviar em breve à AGU documento com as propostas.
A Agência Brasil apurou que, durante a reunião, os representantes dos índios não só criticaram a AGU, mas também prometeram intensificar os protestos que, nas últimas semanas, vem ocorrendo em várias partes do país, com o bloqueio de estradas e a invasão de prédios públicos, caso a portaria não seja integralmente revogada.
"Temos que ser consultados sobre qualquer medida que possa afetar nossas terras e nossas vidas. E esta portaria praticamente decreta nossa morte. Então, por que não consultaram os povos indígenas antes? Agora não precisa mais consultar. Se for preciso apanhar da Polícia Federal, da Força de Segurança Nacional, das polícias militares, dos caminhoneiros, nós vamos apanhar. Vai haver guerra, mas vai ser uma guerra desigual", desabafou o índio Genilson Pareci, de Mato Grosso.
Genilson classificou de "covardes" o governo e a sociedade brasileira por permitirem a publicação de uma portaria e de outras iniciativas que, segundo ele, prejudicam os povos indígenas e contrariam a legislação. "Eu não sabia que a AGU tinha autoridade para fazer leis, mas esta portaria estabelece políticas e diretrizes sobre o direito dos índios à terra. Estou vendo que, hoje, a AGU tem mais autoridade do que o Congresso Nacional. Será que esta situação está correta?", questionou.
Mais tarde, ao participar da cerimônia de posse do novo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Félix Fischer, o ministro da Justiça disse apenas que a negociação com os líderes indígenas tem avançado. Cardozo espera o desfecho do impasse em “curto prazo”. Para o ministro, ainda não se tenha solução, já foi iniciado um processo de entendimento. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, já admitiu a possibilidade de adiar novamente a entrada da portaria em vigor.
Publicada no dia 17 de julho, com o objetivo de ajustar a atuação dos advogados públicos à decisão do STF no julgamento da Raposa Serra do Sol, a Portaria nº 303 ainda não está em vigor. Com a polêmica suscitada pela norma, a AGU decidiu atender a um pedido da Funai e suspendeu até o próximo dia 24 a entrada em vigor da portaria, que estende a todos os processos demarcatórios de terras indígenas as 19 condicionantes, que proíbem, entre outras coisas, a ampliação de áreas indígenas já demarcadas.
A AGU justifica a iniciativa alegando que as condições estipuladas pelo STF representam um marco constitucional no tratamento das questões de demarcação e de administração das áreas indígenas e que “todos os procedimentos que estão em violação àquelas condicionantes são desconformes ao direito". No entanto, especialistas, líderes indígenas, organizações indigenistas e ambientalistas consideram a norma inconstitucional e resultado de uma interpretação equivocada da decisão do Supremo que, para eles, aplica-se específica e exclusivamente à Raposa Serra do Sol.
Segundo fontes ouvidas pela Agência Brasil, o presidente do STF, ministro Ayres Britto, disse, em reunião na quinta-feira (30), que as condicionantes não se aplicam compulsoriamente a outros processos demarcatórios e que a interpretação da AGU é um equívoco.