O ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão, defendeu nesta terça-feira a adoção de critérios objetivos na definição das chamadas penas pecuniárias aos condenados na ação penal. Desde o início da dosimetria, a fase de definição das penas aos condenados, as multas aplicadas aos réus têm apresentado grande variação. O risco, segundo Lewandowski, é que essa contradição possa ser explorada pelos advogadosdos réus.
"O acordão tem de apresentar uma coerência. Não pode haver contradições. As pessoas com mesmo patrimônio devem ter o mesmo valor da pena pecuniária. Acho que vamos ter de conversar sobre isso para não haver essa desigualdade e até para evitar embargos declaratórios. Uma contradição desse tipo pode ser explorada pelos advogados", advertiu o ministro.
Uma das contradições citadas por Lewandowski refere-se às multas impostas ao empresário Marcos Valério e seu sócio Ramon Hollerbach. Enquanto o operador do mensalão foi condenado a 40 anos de prisão e multa de R$ 2,72 milhões, Hollerbach recebeu uma punição de 29 anos, mas terá de pagar R$ 2,79 milhões, R$ 71,8 mil a mais que Valério.
Outra contradição, essa mais visível, está na diferença entre as multas aplicadas por Lewandowski e Joaquim Barbosa, relator do processo. Com exceção do crime de evasão de divisas atribuído a Simone Vasconcelos, pelo qual aplicou multa de 68 dias-multa, Barbosa não definiu nenhuma pena pecuniária abaixo dos 100 dias-multa aos réus condenados.
Para o revisor, por outro lado, o máximo foi de 30 dias-multa, aplicada a Marcos Valério por um dos crimes de corrupção ativa. No caso de Kátia Rabelo, ex-presidente e dona do Banco Rural, a diferença é ainda maior. Lewandowski propôs multa de R$ 58,5 mil, enquanto Barbosa aplicou R$ 390 mil.
"O juiz, ao fixar o valor da multa, tem de considerar, com base nos autos, o patrimônio do réu. Eu, pessoalmente, não compreendi ainda com clareza o critério da multa, mas posso até reajustar meu voto para que tenhamos um critério uniforme das multas", admitiu o revisor.
No total, os ministros do Supremo Tribunal Federal aplicaram multas no valor de R$ 11,6 milhões até agora. Como ainda falta a definição das penas de 16 réus, o valor pode aumentar ainda mais.
Prisão
Lewandowski confirmou ainda que a definição sobre os locais onde os réus cumprirão as penas deverá ser feita pelos juízes federais responsáveis pela execução penal nos Estados onde os condenados residem. O ministro disse não acreditar que o Supremo defina um único juiz para centralizar todo o processo de execução das penas.
Sobre o regime de progressão da pena, no qual condenados a mais de oito anos de prisão têm direito ao regime semiaberto após o cumprimento de um sexto da pena, Lewandowski garantiu que a lei será cumprida e que os réus do mensalão terão de cumprir suas penas na cadeia.
"A progressão depende do juiz da execução, mas o regime inicial vamos fixar aqui. Acima de oito anos é fechado e não tem discussão. Para progredir ao semiaberto tem de apresentar bom comportamento e seguir as regras da execução penal", disse.
O ministro, contudo, ressaltou que o regime semiaberto praticamente não tem mais espaço no sistema carcerário brasileiro. Isso porque os condenados que estão nessa fase de cumprimento da pena podem passar o dia trabalhando em colônias penais agrícolas, por exemplo, mas esses lugares já não têm vagas para comportar o número de presos.
"(O regime semiaberto) existe muito pouco. São aquelas colônias penais agrícolas. Cansei, como juiz do Tribunal de Alçada Criminal, de conceder habeas-corpus para que as pessoas cumpram no aberto porque estão no fechado, tem direito ao semiaberto e não tem vaga no semiaberto. Quando não tem vaga, a jurisprudência é que mande pro aberto", afirmou Lewandowski.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.