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Menino que mora em barraca em SP diz que sonha com adoção

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Desde que voltou para a calçada da rua Doutor Veiga Filho, no bairro nobre de Higienópolis, na zona oeste de São Paulo, o menino G., 15 anos, tem dividido seu tempo entre a coleção de brinquedos e o assédio de curiosos, a maioria disposta a ajudar.

“Você almoçou hoje?”, pergunta a dona de casa Ana Cristina Campos, 47 anos, moradora de um edifício próximo. Ele responde que sim, e emenda um pedido: “Leva esse aqui para lavar hoje”, diz, entregando a Ana Cristina um boneco Woody, personagem de Toy Story, já bastante sujo. “Eu lavo a roupa dele, o edredon. Tudo o que precisa lavar, eu lavo. Trago café da manhã também”, conta a dona de casa à reportagem.

G. é morador de Cachoeiras de Macacu, na região de Nova Friburgo (RJ), mas já fugiu de casa pelo menos duas vezes. A última foi na semana passada, quando pegou carona em um caminhão e retornou para São Paulo, para a mesma calçada de Higienópolis de onde saiu em agosto. “Quando vi, não acreditei! Falei: ‘o que você está fazendo aqui?’”, conta a psicóloga Luciana Sodré Cardoso, 44 anos, moradora do prédio em frente à barraca de G. e que conseguiu localizar a mãe do garoto, que acabou vindo buscá-lo em agosto. “Estava tudo resolvido, com final feliz. Mas ele voltou”, disse Luciana.

“Quero ser adotado”

A psicóloga, que hoje mantém contato com a mãe de G. via Facebook, disse que o garoto sofre de hiperatividade e deficit de atenção e vivia sob efeito de remédios. “A meu ver, como profissional, ele não precisa de remédio. Ele precisa de um tratamento alternativo, algum lugar que tenha uma proposta mais humanizada. Ele não tem o perfil de quem vai se adaptar a uma escola tradicional”, afirma Luciana, que faz parte de um grupo que está procurando um lugar para G.

De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, G. já foi levado cinco vezes a albergues pelo Conselho Tutelar, mas sempre acaba fugindo. “Ele disse que apanhou e que foi roubado nos abrigos”, conta Luciana.

 “Não é certo levá-lo para um lugar onde pode ser maltratado. Eu acho que ele tinha que ser devolvido para a casa dele, para ficar com a mãe dele. Mas a gente não sabe como é lá. Ele não gosta de falar sobre a família. Eu queria ficar mais próxima, pegar confiança para ver se ele conta algo, mas ele sempre pede para a gente não falar sobre isso”, conta Ana Cristina.

“Eu quero ser adotado”, responde G. à reportagem quando questionado sobre o futuro. Mas e depois? “Depois? Depois vou obedecer a família”, diz. E por que você fugiu de casa? “Ah, é complicado lá, tia”, diz, encerrando o assunto.

Ataque 

No tempo de uma hora em que a reportagem esteve com o menino, ao menos 20 pessoas diferentes, entre já conhecidos e curiosos, pararam para falar com G. Todas mostraram solidariedade e alguns pediram até para tirar fotos, ideia rejeitada pelo garoto. A exceção foi uma senhora que passou e, com cara de poucos amigos, perguntou: “Este é o menino que está morando na barraca, famoso?” E saiu.

De acordo com Luciana, todos os moradores do prédio – exceto ela e uma senhora – são contra a permanência do menino na calçada. “Eles dizem assim: ‘óbvio que ele quer estar aqui, quem não quer morar em Higienópolis?’. Só julgam, só reclamam.”

O ataque sofrido por G. na madrugada da última quarta-feira talvez tenha sido motivado por sentimento semelhante. A barraca onde ele morava foi molhada com creolina, e o garoto acordou sufocado de manhã. Comovida, a estudante Belisa Bagiani, 23 anos, moradora do quarteirão, mobilizou um grupo, e não tardou para que G. ganhasse uma nova barraca. “Ele tem uma índole muita boa. É carismático, todo mundo gosta dele”, disse.

Brinquedos 

Quando a reportagem se aproximava da barraca de G., na tarde desta quinta-feira, viu de longe quando um homem chamou o garoto para ir ao shopping Pátio Higienópolis, ali do lado. O destino era uma loja de brinquedos. Chegando lá, a decepção: a loja ainda não havia recebido o brinquedo que G. queria, da coleção Toy Story. “Você pode me avisar quando chegar, por favor? A gente vem buscar”, disse à vendedora o representante comercial Paulo Lopes, 52 anos.

“Ele tem 15 anos, mas é crianção de tudo. A idade mental deve ser de 9 anos. Mas ele é inteligente. Tinha que ir para algum lugar onde pudesse aprender uma profissão, estudar”, contou Lopes, que há dois meses mantém contato com G., dando roupa, comida e brinquedos.