De manhã, disciplinas convencionais. À tarde, de forma articulada com esses conteúdos, oficinas de arte, música, esportes, orientação aos estudos e de profissionalização, em alinhamento com as diretrizes do Programa Mais Educação, do Governo Federal. É essa, agora, a realidade dos 98 adolescentes em cumprimento de medida de internação que frequentam a escola instalada entre os muros do Centro Socioeducativo Justinópolis, em Ribeirão das Neves.
O projeto é fruto de uma parceria entre a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) e a Secretaria de Estado de Educação (SEE), firmado em 2015. A meta é implantar até o fim deste ano o ensino integral nas 36 unidades socioeducativas do Estado, que abrigam 1.901 adolescentes e jovens.
Atualmente, 769 jovens de 15 a 17 anos em cumprimento de medida de internação estão matriculados nas escolas das unidades socioeducativas do Estado. Destes, 89% são assíduos. Em 2014, o índice de frequência foi de 86,7%. O desempenho expressivo ocorre a despeito das condições adversas enfrentadas por eles. Segundo a Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) da SEDS, a defasagem escolar média dos alunos dos centros de internação e das casas de semiliberdade é de quatro anos em relação à série em que, pela idade, deveriam estar cursando.
O subsecretário de Atendimento às Medidas Socioeducativas da Suase, Antônio Armando dos Anjos, diz que a parceria com a SEE é de extrema relevância. Segundo ele, é preciso oferecer aos jovens dos centros socioeducativos ocupação em tempo integral. “As atividades devem ser as mais diversas: esportivas, culturais e artísticas, para estimular o envolvimento deles”, afirma.
A escola é um dos eixos do cumprimento da medida socioeducativa, observa Antônio Armando. Associada à participação da família, ao esporte, à cultura, ao lazer e à profissionalização, é crucial na ressocialização e recuperação do adolescente em conflito com a lei.
O ensino em período integral, que trabalha a educação de uma forma mais lúdica por meio das oficinas, diminui o tempo ocioso dos adolescentes, que assim podem ser recolhidos aos alojamentos apenas no horário noturno. Do ponto de vista estritamente educacional, a ampliação da carga horária busca reduzir a evasão e favorecer o avanço da escolarização.
Segundo a coordenadora geral das ações de educação integral da SEE, Rogéria Freire, as ações articuladas entre SEDS e SEE serão fundamentais para desenvolver boas práticas de educação em período integral dentro das quinze escolas situadas nas unidades socioeducativas do estado. “Os centros socioeducativos possuem cerca de dois mil estudantes. Compreendemos que a educação desses jovens é de responsabilidade das duas secretarias e, trabalhando de forma conjunta, conseguiremos desenvolver boas ações de ampliação do tempo e do espaço do ensino nestas unidades”, diz.
A coordenadora traz a experiência como consultora do Ministério da Educação, tendo sido responsável pelos programas Escola Aberta e depois pelo Mais Educação em Minas Gerais. Além da orientação técnica, o Governo Federal aporta recursos, o que permitirá a contratação de funcionários para as ações de ensino integral, por exemplo.
A iniciativa no sistema socioeducativo se insere na política geral do Governo de Minas Gerais para essa área. Segundo Rogéria, a meta da SEE é elevar o percentual de alunos de escolas públicas matriculados no ensino integral dos atuais 5% para 25% até 2018. Além dos adolescentes autores de atos infracionais, é prioritário o atendimento de comunidades tradicionais pobres, entre elas populações indígenas e quilombolas.
Nova chance pela educação
Como todo adolescente, Pedro (nome fictício) tem a cabeça repleta de sonhos e anseios. No entanto, as realizações ficaram mais distantes para esse rapaz de 17 anos de idade quando, há 10 meses, entrou no Centro Socioeducativo de Justinópolis para cumprir uma medida de internação determinada pela Justiça, por envolvimento com o tráfico de drogas. Foi privado da convivência com os amigos e a família. Em compensação, o Sistema Socioeducativo restituiu a ele algo precioso que havia perdido, por abandono, dois anos antes: a escola.
Com uma defasagem de cinco anos entre série e idade, Pedro se destacou como aluno do 7º ano do Ensino Fundamental da escola, que funciona dentro da unidade. A instituição atende 98 alunos, distribuídos em 18 turmas do 2º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. Para as professoras, Pedro é um aluno exemplar, de determinação e disciplina admiráveis. No período da manhã, o adolescente frequenta o ensino regular e, à tarde, não perde as reuniões de orientação estudantil e as diversas oficinas de capacitação oferecidas por meio das Ações de Educação Integral, da Secretaria de Estado de Educação (SEE).
Pedro faz parte das estatísticas que comprovam que as taxas de evasão escolar nos centros socioeducativos de Minas Gerais são mais baixas do que as das instituições congêneres de outros estados e até mesmo das demais escolas públicas mineiras. Segundo Marinete Azevedo, diretora da escola da unidade de Justinópolis, contribui para isso o fato de os alunos dos centros socioeducativos estarem inseridos em um mesmo contexto social e educacional, geralmente com defasagem entre a idade e a série. “A maioria destes jovens veio de um mundo de violência e tolhimento e acabou enveredando na criminalidade. Aqui, nós conseguimos tocá-los. Somos agentes de transformação”, afirma a educadora.
Vida nova
Pedro quer se tornar um sushiman reconhecido. A predileção por gastronomia não é por acaso. O pai do rapaz é chef de cozinha e grande incentivador do sonho de Pedro. “Quando eu sair daqui, quero continuar estudando e curtir a minha família. Quero ser um filho que nunca fui”, promete o jovem. Ele conta que as oportunidades oferecidas pelo Centro Socioeducativo de Justinópolis são muito importantes para aqueles que querem recuperar o tempo perdido. “Quem desperdiçou tempo lá fora pode recomeçar aqui. Procuro aprender tudo que posso”, diz.
Oportunidade para estudar e realizar atividades extracurriculares é o que não falta na unidade. Lá, os adolescentes que cumprem medidas têm acesso a laboratório de informática, biblioteca, sala de vídeo e oficinas de origami, capoeira, futebol, pulseiras artesanais e relógios de parede feitos a partir de frigideiras e papel de revistas. Além disso, os alunos também participam das orientações pedagógicas, que incluem reforço escolar.
Cada unidade escolhe as oficinas de acordo com o perfil dos acautelados. A escola é um dos eixos do cumprimento da medida socioeducativa que, associada à participação familiar, ao esporte, cultura, lazer e profissionalização, auxilia na ressocialização e recuperação do menor em conflito com a lei. O ensino em período integral, que trabalha a educação de uma forma mais lúdica por meio das oficinas, diminui o tempo ocioso dos adolescentes dentro da unidade, que são encaminhados para os alojamentos apenas no período noturno.
Histórias como a de Pedro se repetem. Augusto (nome fictício), de 15 anos, ainda terá mais de um ano de cumprimento de medida socioeducativa na unidade. A família está no município de João Monlevade e, segundo ele, estudar e participar das oficinas ajuda o tempo a passar mais rápido. “Gosto da oficina de origami. Prefiro estar aqui aprendendo alguma coisa a ficar dentro do alojamento”, relata o adolescente que cumpre medida de internação por homicídio.
O mesmo acontece com o jovem Rodrigo Alves. Aos 19 anos ele já é pai de um bebê de um ano. Mas a privação da liberdade ainda não lhe permitiu conhecer o filho. O jovem passa algumas tardes em meio a revistas, frigideiras e papéis de decupagem participando da oficina de fabricação de relógios de parede. Para ele, a arte é uma oportunidade para aprender a fazer coisas novas e pensar positivamente sobre novas oportunidades.