Marco Túlio Cícero foi um advogado, político, escritor, orador e filósofo da República Romana eleito cônsul no ano de 63 a.C. Ele produziu uma série de textos sobre como conduzir um país, com dicas a respeito de leis, poder, liderança, amigos e inimigos, persuasão, compromisso, dinheiro, imigração, guerra, corrupção e tirania.
O Jornal do Brasil dá continuidade à publicação de trechos dos textos, que podem servir de inspiração para o momento atual do país.
Cícero fala sobre corrupção:
Senhores do juri, eu sei que vocês estão cientes de que Caio Verres vergonhosamente saqueou a Sicília de todos os seus bens, sagrados e seculares, públicos e privados. Vocês sabem tanto quanto eu que ele abertamente cometeu todo tipo de roubo e pilhagem sem a menor preocupação com a moral ou de ser pego...
Quando a primavera teve início durante o governo dele -- a qual, inclusive, não foi conhecida por ele por um vento quente do Oeste ou por uma constelação ascendente, mas sim pela presença de uma rosa na mesa de jantar -- foi quando ele deu início a suas rondas laboriosas pela província. Ele mostrou tanto vigor e persistência na tarefa que ninguém nunca o via cavalgar. Não, como um rei de Bitínia, ele foi carregado sobre uma liteira por oito homens. Dentro havia uma almofada elegante recheada com pétalas de rosa de Malta. Dentro também estava Verres, usando duas guirlandas, uma na cabeça e outra no pescoço. Perto do nariz, ele segurava uma bolsa do melhor linho também recheada de pétalas de rosas. Foi assim que ele fez suas jornadas pela ilha, carregado diretamente ao seu quarto onde quer que estivesse hospedado. Para estas mesmas câmaras foram oficiais da Sicília e negociantes de Roma, como muitas testemunhas lhes disseram. Ele decidiu disputas legais no privado, anunciando-as em público apenas mais tarde. Deste modo ele passou seu tempo na cama tomando decisões, sem se importar nem um pouco com a justiça, mas bastante preocupado em fazer dinheiro.
Mas este oneroso dever não tomava todo o seu dia, pois ele conseguia encaixar Vênus e Baco em sua agenda ocupada. Eu preciso compartilhar com vocês a grande diligência e cuidado que nosso bravo comandante devotou a tais atividades. Em cada cidade da Sicília que os governadores estão acostumados a visitar, alguma mulher de uma família respeitável era escolhida para satisfazer sua luxúria. Algumas delas eram levadas abertamente à mesa de jantar, enquanto outras eram colocadas em capas sombrias para evitar que fossem vistas pelos reunidos ali.
Esses jantares de Verres não eram os arranjos modestos que vocês esperariam de um governador ou general romano, nem entravam em conformidade com o decoro normalmente observado nas mesas de oficiais romanos. Eles eram repletos de barulhos e gritos, que frequentemente se degeneravam em lutas de punho. Nosso devotado governador nunca se preocupou muito com regras e leis relacionadas ao seu trabalho, mas quando se tratava de vinho ele era mais consciencioso e se aplicava com entusiasmo. Era um grande momento, com convidados saindo carregados de suas festas sob os braços de outras pessoas como homens feridos de campos de batalha. Outros eram deixados espalhados no chão como cadáveres, enquanto o resto se deitava como tolos bêbados. Qualquer um que vagasse por ali não pensaria que estava diante de um jantar de governador romano, mas de uma desastrosa reconstrução da Batalha de Canas...
Por causa da corrupção e da ganância de Verres, a frota romana na Sicília era uma armada apenas no nome. Os navios estavam quase sempre sem tripulação, e os que tinham homens eram mais voltados a servir à avareza do governador do que a perseguir piratas. Ainda assim, quando os capitães Públio Cássio e Públio Tadius estavam no mar com seus dez navios subdesenvolvidos, eles encontraram um navio de salteadores cheio de tesouros. Eles não capturaram tanto como tropeçaram nele, enquanto a embarcação lentamente seguia seu caminho pesado pela pilhagem. O navio estava cheio de moedas e pratos de prata, tecidos preciosos - e bonitos homens jovens.
Eles encontraram este navio único perto de Megara Iblea, não distante de Siracusa. Quando Verres foi informado, ele estava deitada bêbado, cercado de homens jovens, mas encontrou forças para dar um pulo de imediato e ordenar seus guardas a ir em seguida ao seu questor e legado para assegurar que tudo fosse encaminhado até ele intocado. O navio e a tripulação foram trazidos a Siracusa, onde todos esperavam que a justiça fosse feita, mas em vez disto Verres agiu como se tudo aquilo pertencesse a ele. Os piratas que estavam velhos ou feios ele condenou à morte como inimigos do Estado. Os que eram atraentes ou possuíam algum talento ele pegou para si, embora tenha cedido alguns para seus secretários, assistentes e seu filho. Seis dos homens capturados eram músicos e foram levados para um amigo em Roma. Eles levaram a noite toda para descarregar o resto do tesouro do navio...
E então, senhores do juri, eu espero finalizar esta acusação sabendo que eu cumpri meu dever tanto para a população de Roma quando da Sicília. Mas eu quero que todos saibam que se vocês não estiverem de acordo com minhas expectativas e falharem em condenar Verres, eu vou continuar meu trabalho e trazer acusações formais contra qualquer um que possa ter oferecido suborno a vocês assim como contra qualquer um de vocês que possa ter levado a culpa, aceitando-o. Então, deixem-me dizer àqueles que poderiam ousar jogar seus truques de astúcia e interferir na busca da justiça contra o réu neste caso, tomem cuidado, para que estejam preparados para lidar comigo quando eu expô-los à população romana. Eu espero que eles vejam que eu tenho sido veemente, perseverante e vigilante como querelante deste inimigo de nossos aliados sicilianos. Deixem saber que eu serei tão duro e implacável como querelante no futuro se surgir a necessidade e ainda mais, pois eu falarei em nome do povo romano.
Confira as publicações anteriores:
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (II)
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (III)
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (IV)
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (V)
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (VI)
>> Marco Túlio Cícero e as lições para se conduzir um país (VII)