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Quarta, 30 de abril de 2025

Chafarizes secos, oásis às avessas

No auge do calor, monumentos foram desligados por motivos técnicos e aguardam manutenção

Marcos Tristão/Jornal do Brasil -
"Mulher com Ânfora", escultura art déco de Humberto Cozzo, cuja seca acentua a sensação de calor no local árido
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Enquanto a cidade derrete sob um calor de 40 graus, vários dos chafarizes, alguns deles centenários, que não apenas enfeitam a cidade, como ajudam a amenizar a escaldante sensação, estão desligados. De Ipanema, na Zona Sul, ao Centro, passando pela Tijuca, na Zona Norte. Pode até ser uma política do município para evitar que eles sejam transformados em piscinas da população de rua, ou que se transformem em focos dos mosquitos da dengue, porém, quem perde é a população, como um todo.

A seca começa pelo histórico Chafariz das Saracuras, de granito, que adornava o Convento da Ajuda, demolido na então Praça Marechal Floriano, hoje Cinelândia, para a abertura da Avenida Central, atual Rio Branco. A obra foi encomendada ao mestre Valentim pelas freiras clarissas e a data de sua construção é controversa: seria 1795 ou 1799. Transferido para a Praça General Osório, em Ipanema, na Zona Sul, as saracuras — que já haviam sido furtadas anteriormente —, voltaram a ser roubadas em 2012. “O chafariz está desligado há muitos anos. Nosso interesse é que o monumento seja recuperado, mesmo que não tenha água”, desabafa Maria Amélia Loureiro, presidente da Associação de Moradores de Ipanema.

Macaque in the trees
Chafariz de ferro fundido, de 1903, da Praça São Salvador, que só funciona em dias intercalados (Foto: Marcos Tristão/Jornal do Brasil)

Para ela, o fato de o chafariz servir de local de banho e para lavar as roupas da população de rua não serve como justificativa para desligar o imponente monumento. Existe a possibilidade de a Operação Ipanema Presente montar ali uma de suas bases, o que ajudaria a recuperar a integridade do ambiente. Algo parecido acontece com o chafariz localizado nos canteiros da Praia de Botafogo, próximo ao Edifício Argentina. A reação da presidente da Associação de Moradores do bairro da Zona Sul, Regina Chiaradia, é de surpresa, diante da aparente política adotada pelo município: “Era preciso cuidar da população de rua, para que ela não fosse obrigada a tomar banho e lavar suas roupas nesses locais. Trata-se de uma inversão da lógica”, argumenta.

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"Mulher com Ânfora", escultura art déco de Humberto Cozzo, cuja seca acentua a sensação de calor no local árido (Foto: Marcos Tristão/Jornal do Brasil)

No Largo do Machado, em Laranjeiras, na Zona Sul, a situação é a mesma. O chafariz, ao redor de uma estátua de Nossa Senhora que compõe o conjunto com a Paróquia Nossa Senhora da Glória já está há muito desligado. “É bonito, mas problemático. Se ligar, os pivetes tomam conta, porque não há fiscalização aqui, e a cidade está entregue ás baratas”, lamenta o vendedor de um quiosque de plantas que funciona no local, Jorge Rodrigues.

Ali perto, na Praça São Salvador, outro exemplar histórico tem o funcionamento intercalado, segundo o vendedor Natan de Almeida, 22 anos, que trabalha ali perto e sempre que pode vai curtir as sombras das árvores ao redor. Em ferro fundido, a figura feminina do chafariz, instalado ali em 1903, é atribuída ao artista Louis Sauvageau, enquanto o restante do conjunto é proveniente da fundição de Val d’Osne, na França. “Ele funciona poucas vezes na semana. Passou muito tempo desligado, mas voltou a ser ativado em dezembro”, acrescenta Almeida.

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Chafariz das Saracuras, na Praça General Osório, o próximo a ser religado (Foto: Marcos Tristão/Jornal do Brasil)

O que parte o coração é ver a magnífica e sensual escultura em bronze “Mulher com Ânfora”, em frente à Candelária, onde compõe a antítese entre o sagrado e o profano, sem a água que recebe dos chafarizes ao seu redor e emana também à sua volta. Principal chafariz art déco da cidade, ela foi encomendada em 1934 ao artista paulista Humberto Cozzo (1900-1981) pelo prefeito Pedro Ernesto. Perambulou por vários locais até ser instalada ali, em 1988.

Recente reportagem do JORNAL DO BRASIL mostrou que o chafariz da Praça Paris, na Glória, Zona Sul, está desligado há mais de um ano, situação parecida à da Praça Saens Peña, na Tijuca, na Zona Norte, que também foi alvo de reportagem do JB em outubro.

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Chafariz da Praia de Botafogo, que sofreu depredação na casa de máquina e na instalação hidráulica, o que retardou sua religação (Foto: Marcos Tristão/Jornal do Brasil)

O outro lado

Conforme a secretaria municipal de Conservação e Meio Ambiente (Seconserma), o Chafariz das Saracuras, na Praça General Osório, é o próximo a ser religado. “Está em fase de revisão da tubulação hidráulica e a previsão de funcionamento é para o fim da primeira quinzena de fevereiro.”

O chafariz do Largo do Machado foi religado, porém, há cerca de um mês teve problemas na bomba centrífuga, que está na retifica e, assim que consertada, será reinstalada para que o chafariz seja religado. Na Praia de Botafogo, houve depredação na casa de máquina e na instalação hidráulica. Com isso, terão de ser levantados os serviços necessários para seu funcionamento. O chafariz da Praça São Salvador é ligado em dias alternados.

A prefeitura faz levantamento dos serviços necessários para religar a “Mulher com Ânfora”, enquanto o chafariz da Praça Saens Peña, também alvo de depredação na casa de máquina e na instalação hidráulica, está em fase de levantamento dos serviços necessários para ser religado. Quanto à Praça Paris, a secretaria precisa esvaziar o lago para reparar as bombas que ficam submersas. “Estamos em fase de planejamento para isso, pois o esvaziamento não é tão simples, devido à combinação de sua localização geográfica e a alteração da maré”, diz a nota da Seconserma.

Conforme a prefeitura, recentemente foram religados 15 chafarizes da cidade.

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Imagem de Nossa Senhora parece rogar aos céus por uma gota de chuva, em meio ao calorão que faz no Rio (Foto: Marcos Tristão)

Marcos Tristão - Imagem de Nossa Senhora parece rogar aos céus por uma gota de chuva, em meio ao calorão que faz no Rio
Marcos Tristão/Jornal do Brasil - Chafariz de ferro fundido, de 1903, da Praça São Salvador, que só funciona em dias intercalados
Marcos Tristão/Jornal do Brasil - Chafariz da Praia de Botafogo, que sofreu depredação na casa de máquina e na instalação hidráulica, o que retardou sua religação
Marcos Tristão/Jornal do Brasil - Chafariz das Saracuras, na Praça General Osório, o próximo a ser religado
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