As obras para a construção de um obelisco de 22 metros, correspondente a um prédio de sete andares, já começaram no alto do Morro do Pasmado, em Botafogo, na Zona Sul. O monumento vai sediar o Memorial do Holocausto do Rio de Janeiro, projeto da Associação Cultural Memorial do Holocausto, que explorará o complexo por 30 anos. Poderia ser uma boa ideia, se o local não integrasse a Enseada de Botafogo, uma das mais belas paisagens mundiais, composta pelos morros Pão de Açúcar, Babilônia, Urca, Pasmado e Corcovado e, por este motivo, protegido em 1974 pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan).
O harmônico contorno das montanhas, banhado pelas águas plácidas da Baía de Guanabara, também foi inserido em 2012 na zona de amortecimento da área declarada Patrimônio Mundial da Unesco, "Paisagens cariocas, entre a montanha e o mar". Se o complexo a ser erguido no local, com auditório, café e Memorial às Vítimas do Holocausto fosse horizontal, não iria interferir na paisagem. O presidente da associação responsável pelo projeto, Arnon Velmovitsky, afirma que a ideia é gestada há 25 anos, prevê jardins do escritório Burle Marx e está orçada em R$ 20 milhões, bancados pela instituição. "Será uma construção enterrada na pedra, no subsolo, com um andar só, aprovada pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) e pela ONU", diz. Até o fechamento desta edição, nem o IRPH ou o Iphan retornaram ao contato do JORNAL DO BRASIL.
Na última segunda-feira, a Associação de Moradores de Botafogo (AMAB) encaminhou ao Iphan o pedido de nulidade de um parecer técnico do órgão, que liberou a obra, negando a proteção anterior para a área, concedida pelo próprio Iphan. "Não questionamos o memorial, mas o local em que ele será construído, num dos cartões postais mais apreciados do mundo, como a Enseada de Botafogo, que começa com o perfil do Pão de Açúcar e termina no Morro do Corcovado. Quando o prefeito negociava a construção do monumento com o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, este observou que existem 15 monumentos similares pelo mundo, e o do Rio seria o de maior visibilidade, pela beleza do local onde estaria instalado", lembrou Regina Chiaradia, presidente da AMAB.
Etapas
O Morro do Pasmado já foi ocupado por uma favela, alvo de remoção e incêndio, em 1964. Daí em diante, a área passou por reflorestamento e virou parque público, na década de 1970. Em 2000, o então prefeito Luiz Paulo Conde criou ali o Parque municipal Yitzhak Rabin. Depois, o local passou a ser prioritariamente ocupado por taxistas, já que não era considerado seguro, pela falta da presença do poder público. E foi precisamente este o argumento usado por Crivella para justificar a construção de um prédio em área não apenas protegida, como definitiva na paisagem da cidade. Algo parecido com a autorização concedida, durante a ditadura militar, para a construção de um enorme prédio na Urca, em área militar, cujo perfil interfere no contorno do Pão de Açúcar. Ou ainda a desproporcional altura da torre do shopping RioSul, outra que prejudica aquela paisagem, assim como o conjunto de torres do Condomínio Morada do Sol, espetadas ao pé do morro.
Há dois anos, operavam no Pasmado vários quiosques, para atender a um escasso movimento de turistas. Hoje, restam apenas dois, que também sairão dali quando as obras prosseguirem. "Há mais de 15 anos estavam doidos para fazer esse monumento, agora parece que conseguiram. Hoje, o movimento aqui é pequeno, por conta da violência, mas há uns dez anos era muito procurado por casais de namorados", lembra um dos proprietários dos quiosques remanescentes, há 20 anos no local, que preferiu não se identificar. A área começa a ser ocupada por tapumes negros, e o tradicional mastro onde tremulava uma bandeira do Brasil está vazio. Lá de cima, há uma estonteante vista para o Pão de Açúcar, Praia de Botafogo e Aterro do Flamengo. À frente do mastro, há um busto de bronze de Yitzhak Rabin, instalado ali na inauguração da praça criada na gestão de Conde.
Segundo a prefeitura, a responsabilidade pelas obras não é do município, mas da Associação Cultural Memorial do Holocausto Rio, sem fins lucrativos. Não foi confirmado se houve licitação para a obra. A associação, conforme a prefeitura, apresentou todas as licenças urbanísticas, ambientais e de patrimônio histórico e cultural, "obtidas em diferentes âmbitos do poder público, e entregará à cidade uma área reurbanizada e revitalizada, que proporcionará mais um espaço de exposições e debates". Argumenta ainda a prefeitura que o Memorial do Holocausto Rio está em linha com a política pública de defesa dos Direitos Humanos e da lembrança dos horrores do Holocausto.