Marcelo Migliaccio, Jornal do Brasil
RIO - Um novo item urbanístico está incorporado a grande parte das comunidades carentes cariocas: a cracolândia. Favelas como Mangueira, Manguinhos, Cantagalo, Jacarezinho, Pavão-Pavãozinho e Chacrinha têm áreas delimitadas pelos traficantes para o consumo do crack. Quem usar a droga fora dali, chocando os moradores com sua degradação, corre o risco de ser punido exemplarmente.
Aqui tem muita gente viciada diz um morador da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, recentemente ocupada pela Polícia Militar após violentos embates entre quadrilhas rivais.
Mesmo com os traficantes temporariamente inativos no morro, os moradores ainda têm medo de dar entrevistas e, mais ainda, de se identificar.
Eu não vou dizer onde era a cracolândia senão vão cortar a minha mão respondeu ao repórter um garoto de uns 7 anos que ontem à tarde jogava bola de gude com quatro colegas num terreno baldio no alto da Tabajaras.
Outro morador contou que um amigo de infância sucumbiu ao vício do crack e acabou expulso da favela pelos próprios parentes.
Ele começou a trocar tudo que tinha em casa por droga. Quando passou a roubar roupas nos varais dos vizinhos, a família mandou ele embora. Agora, deve estar pelas ruas, mendigando.
Um dos PMs que patrulhavam o morro ontem disse que os usuários de crack costumavam consumir a droga na mata.
Agora, conosco aqui, devem ter ido para outras favelas.
No Cantagalo, em Ipanema, foi um morador e usuário quem descreveu o quadro.
Os viciados só podem ficar lá. É um cheiro de urina horrível, todos revirando lixo no chão, na esperança de encontrar uma pedra perdida disse I., 25 anos, pai de seis filhos.
I. passa quatro, cinco noites sem dormir nem aparecer em casa. Quando consegue forças para ganhar algum dinheiro como flanelinha, nos fins de semana, gasta tudo com o crack. Sua mulher, agora a chefe da família, é que se vira para alimentar as crianças.
Esse vício é uma coisa horrível definiu ela ao repórter, contando que o marido já foi preso por assalto depois que trocou a cocaína e a maconha pelo crack.
Nas imediações do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, moradores da Rua Sá Ferreira já se acostumaram a ver meninos de rua estirados nas galerias do Túnel Sá Freire Alvim, exaustos após dias e noites em claro a fumar as pedras.
Tinha de enforcar ou queimar vivos todos eles esbravejava ontem o aposentado Delmar Pereira da Cunha, 65, que mora há 30 num prédio próximo ao túnel. Já tentaram roubar a bicicleta da minha vizinha e também meteram a mão no pescoço da minha mulher para levar o cordão.