João Paulo Aquino, JB Online
RIO - A palavra Paixão, frequentemente associada ao amor e ao prazer, foi praticamente esquecida como significado de martírio e sofrimento. Exceto nesta Sexta-Feira da Paixão, quando a Igreja convida seus milhões de fiéis a se absterem do consumo de carne, como forma de meditação em relação à Paixão e Morte de Cristo. Na contramão da religiosidade, as tradicionais churrascarias desafiam os católicos mais devotos à caírem em tentação, mas os reconhecem que a disputa é dura. Para amenizar perdas, a saída é fechar as portas, usar a criatividade ou mesmo apelar para um dos pontos fracos da maioria dos fiéis: o bolso. Entre churrascarias fechadas e o aumento da preparação de pratos à base de peixe, também há descontos que chegam a 40%. Bom para os carnívoros quem não se sente obrigados a obedecer à tradição cristã.
O carioca, de maneira geral, nunca foi muito radical afirma Jorge Roberto Thomaz, proprietário do restaurante Uno Grill, no Shopping da Gávea. Em uma mesa de cinco pessoas, apenas um prefere não comer carne vermelha. No passado, havia mais rigidez. Hoje a população é mais flexível.
Mesmo assim, Thomas, que é umbandista, prefere não se arriscar. Na Sexta-Feira Santa, coloca pratos com peixe como sugestão do dia e contabiliza a queda de 20% no pedido de carne vermelha.
Muitas pessoas vão ao teatro, ao shopping e esquecem que a data é religiosa comenta.
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O aparente otimismo de Thomas não é a regra entre a maioria dos empresários do ramo. O gerente da Churrascaria Tourão da Barra, Délcio José Remplel, diz que o consumo de carne na Sexta-Feira da Paixão é bem menor que em outras sextas-feiras. A preparação de 350 kg de carne no restaurante cai para 150 kg, enquanto a quantidade de peixe aumenta seis vezes, passando para 180 kg. Remplel, que é católico, diz não ter peso na consciência por servir carne.
Eu não como e ofereço peixes aos funcionários. Mas sirvo (carne) porque é meu trabalho. Acho que não é pecado. São os ossos do ofício defende-se o gerente.
Remplel, que trabalha há 15 anos no ramo, somente nos últimos cinco passou a abrir a churrascaria na Sexta-Feria Santa. Devido ao pouco movimento, neste dia seu restaurante fecha as portas seis horas antes que o horário normal.
Atendemos principalmente turistas, porque a população local come em casa ou deixa para ir à churrascaria nos outros dias explica o gerente.
No restaurante Ponderox, na Barra, a Semana Santa ganha novo sabor. A casa, especializada em carne, passa a oferecer pratos especiais à base de peixes e frutos do mar.
Quase ninguém pede carne na Sexta-Feira Santa. Os pedidos não chegam a 10% do total conta o diretor operacional do Ponderox, Juan Daniel Sander. Se não servíssemos peixe, não conseguiríamos trabalhar durante o feriado.
Com a readaptação do cardápio, o restaurante consegue manter 150 clientes, a mesma média de uma sexta-feira comum. O uruguaio Sander diz que o Brasil se assemelha ao seu país, onde a maioria da população católica ainda mantém forte as tradições religiosas.
A churrascaria Estrela do Sul, em Botafogo, adere ao radicalismo e prefere entregar os pontos: não abre no feriado religioso. Mas apresenta uma procura maior que o normal nos dias seguintes.
Sábado e domingo, depois da Sexta-Feira Santa, registramos aumento no movimento entre 28% e 30% contabiliza o gerente Mario Daiex. O carioca fica um dia sem comer carne, mas depois volta com toda vontade.
A Estrela do Sul, com 36 anos no mercado, já experimentou funcionar na Sexta-Feira Santa, durante os cinco primeiros anos, mas o movimento não passou dos 10% em relação ao normal.
Diariamente, também servimos peixes, camarão, comida japonesa, mas isso é para os acompanhantes que não são grandes apreciadores de carne. Quem vem a um rodízio quer comer carne explica Daiex.
Enquanto e a tradição religiosa tenta impedir o consumo de carne, há momentos nos quais o bolso fala mais alto. A rede de churrascaria Porcão lançou uma promoção que dá 40% de desconto no preço integral dos rodízio. O resultado são filas na porta, à espera de mesa. O desconto, válido desde quinta-feira, também pode ser aproveitado no dia desta quinta.
Conseguimos conciliar as duas coisas: acabamos com o movimento fraco do feriado santo e podemos divulgar o Porcão como restaurante que serve, além de carnes, frutos do mar, frios e saladas explica o diretor de operações da rede, Philipe Musquini.