Jornal do Brasil
RIO - Aos 100 anos, Maria Amélia Cesário Alvim Buarque de Hollanda morreu de maneira discreta, na madrugada de quinta-feira: dormindo e de causas naturais. Estava no apartamento do sétimo andar do Edifício Alcazar, construído na década de 30, na pequena Rua Almirante Gonçalves, nº 4, em Copacabana, quase ao lado do botequim Bip Bip, um dos redutos da boêmia carioca que, aliás, Memélia apelido de família dado pela neta Bebel Gilberto ajudou a abrir. Mas nunca gostou de que se falasse nisso. A discrição foi uma de suas marcas.
Como boa matriarca, Maria Amélia atuava à sombra e à moda antiga. Ajudou nas pesquisas e datilografou os originais do clássico Raízes do Brasil, de 1936, escrito pelo marido, o historiador e crítico Sérgio Buarque de Hollanda (1902-1982). Enquanto Sérgio mergulhava nos estudos e pedia sossego para poder trabalhar, ela cuidava da parte prática, administrando a casa da Rua Buri, no Pacaembu, São Paulo, e educando os sete filhos: Sérgio, Álvaro, Maria do Carmo, as cantoras Ana, Cristina e Miúcha e o compositor Chico Buarque. Mais tarde, também não descuidou dos 13 netos e 12 bisnetos.
O bom gosto musical dos Buarque de Hollanda deve-se aos ouvidos de Maria Amélia. Ensinou os filhos a cantar samba, gênero de sua preferência, e a torcer pela Mangueira. Até participou de gravações: a voz dela está ao fundo de O meu guri, no registro de Cristina Buarque para a canção do irmão. No futebol, era Fluminense.
O Partido dos Trabalhadores, que ajudou a fundar, foi a paixão política de Maria Amélia. Foi ela a primeira pessoa a contribuir com a campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, com um cheque da pensão de viúva a que tinha direito. A gratidão fez com que o atual presidente, em vindas ao Rio, sempre passasse no apartamento de Copacabana para cumprimentá-la.
Quinta-feira, em nota, o presidente Lula disse que Maria Amélia era uma pessoa que aliava ternura a firmeza, inteligência e preocupações sociais. Mesmo sendo filha de família tradicional, durante toda a vida lutou e apoiou as lutas pela liberdade e por uma sociedade mais igualitária .
O governador Sérgio Cabral lembrou que Maria Amélia foi uma grande mulher, matriarca de uma família que, na música e na literatura, simboliza o talento brasileiro .
No Twitter, Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência, lamentou a perda da grande mulher .
Presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça, disse que a ABL se entristeceu:
Ela foi casada com uma figura eminente da cultura brasileira e tem filhos igualmente ilustres, figuras singulares em diversas manifestações culturais do país.
O acadêmico Antonio Torres disse que Maria Amélia foi um exemplo de pessoa generosa e desinteressada .
A festa de aniversário de 100 anos foi muito bonita, mas sentíamos que não se repetiria. Ela morreu sem sofrer. Seu coraçãozinho cansou e parou de bater.
O corpo de Maria Amélia será cremado sábado, no Memorial do Carmo, no Caju.
Dia de tristeza e lembranças para amigos e vizinhos
Alfredo Melo, dono do bar Bip Bip em Copacabana, de cuja criação Maria Amélia foi grande entusiasta, lamentou a morte de uma amiga:
Vai ficar um vazio muito grande.
Segundo o comerciante Maria Amélia tinha um coração lindo , estava sempre bem humorada e preocupada com o bem estar alheio.
A cabeleireira Tânia Alves conta que atendeu Maria Amélia por nove anos no Karoline Coiffeur, localizado na Almirante Gonçalves. Tânia contou que, por vezes, era chamada à residência da mãe de Chico Buarque e Miúcha para fazer-lhe o cabelo e as unhas.
Ao longo desta última quinta-feira, os familiares de Maria Amélia estiveram no prédio onde ela morava. A neta Sílvia Buarque foi acompanhada da mãe, a também atriz Marieta Severo. O produtor cinematográfico Pedro Buarque compareceu ao local com um amigo.
Por volta das 19h, o corpo foi levado para retirada do marca-passo, que não pode ser cremado.