O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Siro Darlan, defendeu nesta quarta-feira (24/9) a intervenção do Ministério da Justiça nas investigações que vão apurar o envolvimento do Estado-Maior da Polícia Militar com um suposto esquema de corrupção e arrecadação de propinas de comerciantes da Zona Oeste da cidade. O caso foi encaminhado para a Corregedoria-Geral Unificada da Secretaria de Segurança Pública, que anunciou nesta terça (23) que as oitivas devem incluir até os comando antecedentes ao atual comandante-geral, José Luís Castro Menezes, além do chefe do Estado-Maior, Paulo Henrique Moraes e o chefe do Estado-Maior Administrativo, Ricardo Coutinho Pacheco.
Na opinião de Darlan, a ausência de medidas mais drásticas para os casos de corrupção pela cúpula da Segurança se deve ao período eleitoral, para evitar um desgasta em campanhas eleitorais. "A imagem da PM é a mesma do governo. Até a Corregedoria-Geral Unificada manteve o caso em sigilo, que vazou pela imprensa", enfatizou. Pela gravidade dos fatos divulgados nos últimos dias que apontam para uma possível participação da cúpula da PM em arrecadações de propina e outros crimes patrimoniais, o desembargador indica o afastamento do atual comando, para garantir uma investigação isenta e eficiente.
"Há uma série de irregularidade cometidas pela Secretaria de Segurança do Rio, que de forma sistemática, vem infringindo a Constituição, e não vemos as devidas punições", enfatizou o desembargador, exemplificando com o caso recentes de violência envolvendo policiais militares em áreas pacificadas, além de episódios que ele considera como abuso de poder praticado por agentes "despreparados". Darlan avalia que, no ambiente jurídico, as "questão endêmica de corrupção" contribuem para o descredito da imagem da corporação. "Como vamos acreditar e julgar com base em acusações de policiais desmoralizados?", questionou o desembargador, considerando que o preço mais caro está sendo pago pela população, que perdeu a sua referência de segurança.
O Ministério Público anunciou nesta quarta (24) que identificou pelo menos três imóveis que pertencem ao coronel Alexandre Fontenelle, ex-comandante do Comando de Operações Especiais (COE) da PM, que foi exonerado do cargo e preso na operação Amigos S/A, deflagrada na semana passada. O patrimônio do coronel é avaliado R$ 4 milhões e conta com uma casa de praia em Búzios, uma cobertura em Jacarepaguá e um apartamento no Grajaú. Ele está sendo acusado de envolvimento num esquema de propina enquanto comandava o 41º BPM (Irajá). Fontenelle também responsável pelos batalhões de Operações Especiais (Bope), de Choque e de Ações com Cães, considerado um dos mais importantes oficiais na hierarquia da corporação.
Outros 23 PMs que supostamente fazem parte da mesma quadrilha também continuam detidos. O comandante-geral da PM, José Luís Castro Menezes, informou que, caso seja instaurada a sindicância patrimonial, está totalmente à disposição para apresentar todos os documentos necessários para esclarecimento de qualquer dúvida.
Na noite desta quarta (24), fui divulgada uma decisão do desembargador Giuseppe Vitagliano, Corregedor-Geral da CGU, considerando que não há no pedido feito pelo promotor Paulo Roberto Mello Cunha, do Ministério Público, elementos para a instauração de procedimento administrativo disciplinar e de sindicância patrimonial contra o Comandante-geral da Polícia Militar, coronel José Luís Castro Menezes, o chefe do Estado-Maior, Paulo Henrique Moraes e o chefe do Estado-Maior Administrativo, Ricardo Coutinho Pacheco.
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"Ele teria capacidade para encerrar a carreira no comando", diz ex-instrutor de Fontenelle
O ex-capitão do BOPE e especialista em segurança pública, Paulo Storani, foi um dos instrutores do coronel Fontenelle na Academia Militar, no ano de 1990, e traçou um perfil exemplar do oficial - "ele foi um dos melhores negociadores de crise da corporação, muito técnico. Tenho certeza que teria capacidade para encerrar a sua carreira como comandante". Storani considera "preocupante" as denúncias contra Fontinelle e consequência de uma instituição "doente", que necessita, urgentemente, de um remédio, mesmo que amargo.
Assim como o desembargador Siro Darlan, Storani acha importante o afastamento da cúpula da PM enquanto as investigações estiverem em andamento. "O melhor procedimento é aquele adotado pelos batalhões nas suspeitas de desvio de conduta, quando o comando afasta os agentes envolvidos. No caso do Fontenelle, tem um agravante. Ele foi indicado ao cargo pelo próprio comandante-geral da PM. Então, para uma investigação justa e isenta, a cúpula deveria ser afastada, até para preservar os oficiais possíveis novas suspeitas", justificou.
Na avaliação do ex-caveira, a corporação passa por uma crise sem precedentes, com o agravamento e aumento no número de denúncias de corrupção, que agora chega à elite da instituição. "Digo sem precedentes porque não estamos mais falando daqueles desvio de conduta que estão mais próximos da rua, quando um policial isenta, por exemplo, um cidadão de um pequeno delito em troca de propina. Mas agora estamos tratando de promiscuidade de agentes com o crime organizado", enfatizou.
Storani classificou mais grave ainda as justificativas da cúpula da PM para o caso. "Eles [comando-geral e Secretaria de Segurança Pública] não podem alegar que não sabiam de nada, que foram enganados. Como um serviço de inteligência é enganado? Tem que observar os comportamentos dos agentes e tomar as medidas de forma preventiva", destacou. Um reestruturação da corporação, na opinião de Storani, seria a medida certa para tentar resgatar a imagem abalada com os recentes episódios de corrupção e casos emblemáticos que atravessaram as fronteiras até do Brasil.
A ocupação ocorrida no dia 10 de novembro de 2010 da Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão, Zona Norte, pela polícia do Rio, foi uma grande oportunidade que o Estado perdeu de promover grandes mudanças na corporação, aproveitando o impacto da invasão, de acordo com as análises de Storani. "O governo teria toda a energia e comoção da população para mudar a sua estrutura. Hoje, vemos os cargos ocupados pelas mesmas pessoas daquela época, nada mudou". Storani reconhece que a missão do próximo comandante da PM será árdua no sentido de reorganizar os comandos dos batalhões e fazer novas indicações. "É uma responsabilidade ainda maior pela situação que se encontra o corporação. Vemos como foi difícil essa tarefa para o ex-comandante Eri Ribeiro", comentou Storani.
O Jornal do Brasil procurou o ex-Comandante-Geral da PM, Eri Ribeiro, para comentar as denúncias contra o coronel Fontenelle e os outros agentes detidos, mas ele afirmou que não vai se pronunciar com relação ao caso.
Afastamento deve ser definido pela Secretaria de Segurança
O advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUC-RJ, André Perecmanis, explica que o Código Penal prevê no seu artigo 319, alterado no ano de 2012, que servidores públicos investigados em processos criminais podem ser afastados dos seus cargos, como medida preventiva e para a eficácia das apurações. No entanto, Perecmanis alerta para dois aspectos, o primeiro que a medida é definida por um juiz, e o segundo que processos envolvendo militares pode ser resolvido através do Código Penal Militar.
"A afastamento do cargo é uma medida preventiva. Mas se tratando da cúpula da PM, a situação é mais delicada, porque são nomeações políticas, quando determinados policiais atingem um nível elevado na corporação e são indicados por confiança pelos seus superiores. Cabe, agora, a Secretaria de Segurança definir a situação, se deve ou não optar por um afastamento", esclareceu o jurista.