“Ação ou efeito de passar, andar/ afluência de veículos e pedestres/ morte”, esses são os sinônimos de trânsito no dicionário. É curioso como a semântica traduz a realidade da mobilidade brasileira. Quando analisamos os milhares de vidas perdidas a cada atualização das estatísticas, nada fica mais coerente do que assimilar a palavra trânsito à morte.
É quase impossível dissociar a violência do trânsito brasileiro nas atuais circunstâncias. A rotina frenética, aliada à falta de tempo, pressão, além da infraestrutura precária, resultam na grande doença que se reflete nas vias. Isso significa crescente número de acidentes graves e fatais, causado por esse somatório de fatores cada vez mais presentes na sociedade moderna.
Descumprir regras como uma tentativa de retomar o poder perdido, ou que nunca se teve, dirigir em velocidades excessivas pela “necessidade” de viver o tempo instantâneo trazido pela internet e desrespeitar o próximo como forma de afirmação pessoal são alguns sintomas dessa enfermidade social. Acrescentem-se a isso as escassas políticas públicas voltadas para o planejamento urbano e a implantação de infraestrutura adequada.
A sensação que se tem é a de que as pessoas não sabem o que realmente está acontecendo. O trânsito brasileiro é mais violento do que se pensa. Se levarmos em conta as informações da quantidade de solicitações de seguros DPVAT, nosso país está na terceira posição do ranking de lugares em que mais se mata e mais se morre em trânsito: ficando apenas atrás da China e da Índia. Só em 2010 foram pagas 252.351 indenizações às vítimas de acidentes de trânsito em todo o Brasil, sendo mais de 50 mil desses processos por morte, valor que supera a casa das centenas de milhões.
Morte e trânsito. Palavras sinônimas no dicionário e na vida fora dos livros. Quando, na verdade, trânsito deveria ser sinônimo de vida, como no livre e ordenado fluxo do sangue, que permite aos seres humanos permanecerem vivos, saudáveis, interligados e produtivos.
Temos uma grande oportunidade de mudar isso neste momento em que a ONU pede aos países medidas efetivas de redução de mortes nas vias. Não é possível que permaneçamos expectadores desse triste espetáculo. A Década de Ação pela Segurança no Trânsito está aí. Faltam, agora, apenas nove anos.
José Mario de Andrade é engenheiro, especialista em trânsito e professor de engenharia de trânsito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)