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Domingo, 25 de maio de 2025

“Ai se eu te pego” - por que essa música explodiu como um fogo de artifício?

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Talvez porque a letra está cheia de apelos ao inconsciente coletivo: “assim você me mata” ( quem já não relacionou amar a morrer de amor?) Além disso, a expressão: “delícia, delícia” é uma palavra organoléptica – mexe logo com o paladar e, finalmente, a frase-força: “ai se eu te pego” junta tudo -- o velho jogo da conquista perde-ganha, a gostosa ameaça velada (o que vou fazer com você?), a mais antiga (depois da roda) brincadeira infantil – brincar de pegar – e sobretudo um retorno ao “bom do antigamente”. Ou seja: é o homem que vai à caça, “passou a menina mais linda, tomei coragem e comecei a falar...” 

Mas essa “comunicação na veia”, na verdade não é recente. Todo o repertório de ditados, do tipo “como dizia a minha avó” (mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga), seguido de slogans e versinhos, do tipo: veja o ilustre passageiro, o belo tipo faceiro...) e dos “reclames” impressos nas tabuletas que ficavam na parte de cima dos bondes – do tipo: Casa Príncipe: veste hoje, o homem de amanhã e Academia Moraes de dança: quantas oportunidades você perdeu por não saber dançar... toda essa sabedoria das ruas existe desde que o mundo (da cultura oral) é mundo.

Alguns estribilhos pegam: outros, não. E assim como a música foi, talvez, a primeira manifestação sonora diferenciadora do instinto – ou seja: a primeira marca de que ser humano é ser humano, animal é animal -- esses  bordões são e foram sempre acompanhados de uma sonoplastia.

Uma variante, que foram e são os jingles, apelam mais ainda para a cadência ou a métrica. Lembremos de dois clássicos dos anos 50 e 60: se a lâmpada apagar, não adianta reclamar, nem bater o pé; quem bebe Grapette, repete Grapette ... tantos. 

Em paralelo, os refrões de certas marchinhas de Caranaval  duravam o ano, e os anos seguintes: sassaricando; lata d’água na cabeça; nega do cabelo duro; Amélia é que era mulher de verdade:  mulata bossa-nova; se a canoa não virar; me dá um dinheiro aí ...  e mais centenas.

Depois, com o chumbo dos anos 70, grafites parecidos como o peixe para o cristão na Roma hostil, ou a suástica dos sumérios e dos nazistas – surgiu nos muros do Rio um “código” que todos logo pensaram tratar-se de uma mensagem cifrada: celacanto provoca maremoto, Celacanto é um peixe extinto, uma espécie de dinossauro do mar). 

O grafite virou um enigma, só decifrado anos depois: foi um jornalista, Carlos Alberto Teixeira, jovem na época, que inventou há 35 anos atrás essa frase, tirada de um desenho animado (ironicamente) japonês: National Kid. A frase não queria dizer nada e justamente por isso ficou famosa.  

O tempo passa e o povo continua gostando de “recados” , como este, agora, do Michel Teló que correu como rastilho, Brasil e mundo afora.

Aqui,  esta música está no primeiro lugar dos tops e quando o Cristiano Ronaldo a dançou na Europa, depois de um gol, sessenta milhões de pessoas foram instantaneamente apresentadas a ela. No dia seguinte, já estava entre as mais ouvidas na web, liderando as vendas de iTunes em vários países europeus, como Portugal, Espanha, Itália, Bélgica, Holanda e até na Grécia.

Um fenômeno: 108 mil visualizações no youtube em uma semana!

Mas tem mais: na semana seguinte, soldados de Israel largam as metralhadoras e se esbaldaram com o forró (forró ou sertanejo-universitário?) como no vídeo abaixo.

O próprio Neymar – autor do gol mais lindo do ano passado, segundo a FIFA – foi pro vestiário reproduzir a coreografia.

A explicação?  Não sei.  Mas pego uma pista, a letra é cheia de apelos ao inconsciente coletivo: “assim você me mata” ( quem já não relacionou amar a morrer de amor?) e “delícia, delícia” é um grito de prazer – mexe logo com o paladar... Finalmente, a frase-força: “ai se eu te pego” junta tudo: o velho jogo da conquista perde-ganha, a gostosa ameaça velada (o que vou fazer com você?), a mais antiga (depois da roda) brincadeira infantil – brincar de pegar – e sobretudo um retorno ao “bom do antigamente”. Ou seja: é o homem que vai à caça, “passou a menina mais linda, tomei coragem e comecei a falar...” 

E aí mais uma pegadinha: ele tomou coragem e foi lá ou está falando para si mesmo e ela “nem sabe o que ele planeja fazer – se te pego”  

Capitu traiu ou não traiu?

Vai durar? Nem importa. Se ninguém se lembrar mais nem do título daqui a seis meses, terá  valido juntar o mundo pra resgatar aquilo que o Eça de Queiroz definiu lindamente quando confessou “amei essa mulher com Jesus amou Maria, como Romeu amou Julieta e ... como um bode ama a sua cabra!”